um caso muito raro seguido de outro mais raro ainda

Hoje entre as 11 e as 16 horas tratei e alimentei as colónias do apiário mais densamente povoado dos quatro que tenho à data.

Também neste apiário, a 900 m de altitude, as abelhas vinham do campo bem carregadas de pólen.

No entanto o que justifica esta publicação é a apresentação de um caso muito raro.

Seguindo a linha do tempo dos eventos, no dia 14 de novembro do ano passado ao fazer o maneio de um dos núcleos neste apiário, vejo a rainha marcada a levantar voo. Este evento é muito raro na minha experiência e anotei-o no telhado do núcleo para o acompanhar em visitas futuras: a rainha voltaria ou não ao núcleo? iria ficar órfão?.

O núcleo, na data em que a rainha levantou voo, estava muito bem povoado.

Nas visitas seguintes confirmei que a rainha marcada não voltou. Nestas circunstâncias, e como o núcleo continuava bem povoado, deixei-o ficar no local. Estando bem povoado em fevereiro/março tinha o plano de lhe ir colocando um quadro com criação emergente semanalmente ou quinzenalmente. Com este maneio recupero frequentemente estas colónias órfãs.

Hoje, neste núcleo verifico duas coisas espantosas:

  1. pequena mancha com criação de obreira em vários estádios;
Desde o dia 14 de novembro que não via criação nova e ovos nesta colónia.

2. uma rainha não marcada.

A rainha que levantou voo estava marcada. Esta não está; é seguramente outra rainha. Como é possível? A colónia nas vistorias que lhe fui fazendo, desde que a rainha levantou voo e não regressou, nunca lhe vi mestreiros. Colocando possibilidade que tal me tivesse passado desapercebido, e que possa ter criado uma rainha, lembro que não há zângãos neste território desde setembro/outubro.

Durante alguns momentos fiquei perplexo… até que fiz as ligações entre este evento e um outro que me tinha dado conta uns momentos antes. Uns minutos antes tinha observado que um núcleo muito fraco nas visitas anteriores, hoje estava completamente despovoado. Não vi abelhas, rainha, criação, reservas, e não vi sinais de pilhagem a este núcleo. Os quadros estavam impecáveis, ainda que completamente vazios e limpos.

Vista de cima do núcleo vazio.

Na foto em baixo, mostro a localização destes dois núcleos um relativamente ao outro.

Em primeiro plano o núcleo que hoje encontrei completamente vazio; em cima o núcleo onde encontrei hoje a rainha em postura. Os dois estão relativamente próximos como se pode ver pela seta, mas não são os mais próximos. Logo ao lado do núcleo hoje vazio e no mesmo assento está um núcleo mais próximo, mas este está funcional com rainha e bem povoado.

A melhor explicação que encontro para este caso muito raro na minha experiência é a seguinte: a rainha e as pouca abelhas presentes no núcleo fraco (no primeiro plano) migraram e foram aceites pelo núcleo órfão e mais povoado (em segundo plano, no assento de cima).

Fica para a nossa imaginação os meandros acerca de como estas duas colónias perceberam que cada uma delas tinha exactamente os recursos críticos que faltavam à outra e como o conjunto de instintos, que todos nós conhecemos e levantam obstáculos à fusão de duas populações estranhas, foi desligado de forma aparentemente síncrona e consensual pelas duas colónias. Há dias em que a apicultura me traz perguntas que sinto que me puxam para cima e estes são dias que muito aprecio.

11 comentários em “um caso muito raro seguido de outro mais raro ainda”

  1. Mais uma belíssima narrativa. Como um conto! Mesmo para quem não é apicultora, as suas palavras contam uma história com todos os ingredientes:protagonistas, espaço, tempo e ação! Parabéns!

  2. Olá Eduardo

    A apicultura é fascinante!
    Sempre com capacidade para nos surpreender ,esta sua constatação é prova disso .
    Grande abraço

  3. Que interessante.
    Ficou a saudade e uma vontade de recuperar tradições familiares!
    Ficou ainda a curiosidade relativa ao “conjunto de instintos, que todos nós conhecemos e levantam obstáculos à fusão de duas populações estranhas”. Não tendo conhecimentos, suponho que seja, como disse, raro.

    1. Boa noite, Sílvia! Habitualmente as abelhas não permitem a entrada na sua casa de abelhas estranhas. Este comportamento acentua-se mais ainda em relação a rainhas estranhas. Contudo, sendo a minha melhor explicação para este caso a correcta, mostra bem como as abelhas têm uma plasticidade comportamental mais ampla que aquela que habitualmente observamos e lhes atribuímos.

    1. Nas 3 ou 4 vistorias que lhe fiz de lá para cá não vi sinais de mestreiros. Por outro lado não há zângãos para fecundar rainhas. Tenho uma outra colónia com uma rainha virgem nascida em outubro/novembro no mesmo apiário por fecundar até hoje. Tudo junto acho pouco provável que seja essa a explicação.

    1. Armando, não ponho essa hipótese. Esta rainha estava marcada com um disco que é colado no tórax. Não se costumam descolar pelo que observo. Por outro lado aceitando que o disco se tenha descolado, não explica por que razão tendo a rainha regressado deixei de ver postura até ao dia de hoje.

      1. Boa tarde, já tive enxames sem criação por mais de dois meses. A mestra por algum motivo deixa de por ovos, isto costuma me acontecer no final do verão. Posso estar enganado mas as mestras africanas não têm o costume de invadir uma colmeia povoada e tomar o lugar da rainha do enxame?

        1. Bom dia, Orlando!Em geral as rainhas param a postura por escassez de pólen. Não foi o caso. Sim, nos climas tropicais de África e América do Sul a usurpação de ninhos por colónias de abelhas melíferas é relatado com alguma frequência.

  4. Fantástico!
    Mais uma belíssima história para partilhar com miúdos e graúdos, porque sempre se aprende as maravilhas da vida, junto da Natureza!
    Para mim é um mistério espetacular!
    Muito obrigada!

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