À medida que vou lendo, ouvindo, cruzando os dados com a minha experiência, fazendo cálculos e reflectindo, procuro encaixar as peças do puzzle para definir os momentos mais ajustados (timing) para colocar os tratamentos/acaricidas, de modo a que estes não sejam colocados demasiado cedo ou tarde de mais nas colmeias. Trato de acordo com o calendário, logo a definição do momento certo é crítico para obter os melhores resultados. Neste post (que em grande medida expressa as ideias por mim apresentadas no passado sábado, no III dia da APICAVE, onde fui escutado por mais de uma centena de apicultores atentos e interessados — renovo os meus agradecimentos a todos: apicultores, direcção da APICAVE, colegas de painel, moderadores, pelo dia muito gratificante que passei na sua companhia) importa-me reflectir e concluir qual o timing mais adequado para iniciar os tratamentos, em especial o tratamento de final de verão, em função do cálculo da taxa de infestação. Se quisermos elaborar uma fórmula simples teremos: timing= função (população de ácaros/população de abelhas).
Fig. 1: Momento da minha apresentação do tema “Controlo da varroose: estratégias para o sucesso”, no III dia da APICAVE, 18 janeiro, 2017.
A eficácia dos tratamentos à entrada do outono: a minha experiência nos anos de 2014, 2015 e 2016
As observações nos meus apiários (dados dos anos 2014, 2015 e 2016) mostraram-me que, em alguns apiários na beira alta, em geral os situados a cotas mais baixas, o tratamento iniciado entre a segunda semana de setembro e a última semana de setembro não é eficaz em 10% a 20% das colmeias, com algumas variações entre os apiários.
Estes valores de ineficácia são relativamente transversais. Os dados deste ensaio francês em torno das perdas invernais de 2014/2015 apontam na mesma direcção.
Nestas colmeias onde o primeiro tratamento de outono não foi suficientemente eficaz (10% a 20%), re-tratadas com outro tratamento sobreviveram cerca de um terço no inverno de 2014/2015; no inverno de 2015/2016 sobreviveram mais de dois terços re-tratadas com o mesmo tratamento. A melhoria na taxa de sobrevivência, de um ano para o outro, atribuo-a ao facto de ter dispendido um maior esforço na sua despistagem, ter apoiado mais vezes estas colónias com alimentação artificial, factores estes associados a um inverno menos rigoroso em 2015/2016. No inverno de 2016/2017, que ainda decorre, a mortalidade invernal ultrapassa até agora pouco mais de 1%. Estes dados de permitem-me desvalorizar, até agora, a hipótese dos resultados se deverem à existência de uma estirpe de ácaros resistentes aos princípios activos utilizados (tenho utilizado, predominantemente, o amitraz libertado das tiras de Apivar).
Junto outros dados: em 2015 realizei uma avaliação da taxa de infestação pré e pós-tratamento no tratamento de final de inverno/início da primavera. Coloquei as tiras de acaricida na primeira semana de Fevereiro e retirei-as na primeira semana de abril. Os números que encontrei na avaliação pré-tratamento variaram entre 1,8% e 2,6%, de acordo com os apiários monitorizados. A avaliação pós-tratamento nos mesmos apiários revelou uma infestação entre os 0,2% e os 0,4%. A monitorização foi feita com a recolha de abelhas adultas e posterior lavagem das mesmas em água com detergente para as varroas se soltarem das abelhas, filtradas através de um coador de mel com duas malhas (técnica com boa fiabilidade).
A dinâmica populacional das colónias de abelhas entre abril e setembro.
A evolução do número de abelhas da colónia está dependente da relação entre o número de abelhas que nascem e o número de abelhas que morrem num determinado período de tempo. Não nos podemos esquecer que esta relação está fortemente dependente dos fluxos de néctar e pólen que entram na colmeia. Estes por sua vez estão dependentes da flora nectarífera e/ou polinífera do local assim como das condições ambientais no período de tempo considerado. Esta relação varia de local para local e mesmo de ano para ano.
De acordo com as minhas observações, aqui apresentada com maior detalhe, as colónias dos meus apiários, em particular as situadas em cotas mais baixas (entre 600 e 700 metros de altitude), apresentam em geral o ninho cheio de abelhas e muitas delas já têm as abelhas a subirem generosamente à primeira meia-alça, no final de abril. Estou convicto que a população de abelhas adultas nesta altura do ano rondará os 23 000 indivíduos, pelo menos. Assim em baixo, fica a minha proposta para o crescimento e declínio da população de abelhas entre finais de abril e finais de setembro:
- final de abril= 23 000 abelhas adultas;
- final de maio= 45 000 abelhas adultas;
- final de junho=39 000 abelhas adultas;
- final de julho=33 000 abelhas adultas;
- final de agosto=27 000 abelhas adultas;
- final de setembro =21 000 abelhas adultas.
Estes números são em boa medida confirmados pelas minhas observações, em particular as realizadas no final de julho e final de setembro.
Retomo esta ideia: se quisermos elaborar uma fórmula simples para definirmos o melhor momento para efectuar os tratamentos temos: timing= função (população de ácaros/população de abelhas). Neste momento falta-nos estimar o número aproximado de ácaros presentes nas colónias no período de tempo em causa.
A dinâmica populacional dos ácaros varroa entre abril e setembro
Em 2015, a avaliação pós-tratamento revelou uma infestação entre os 0,2% e os 0,4%. Nesta altura do ano as minhas colmeias apresentavam muita criação fechada/selada, como habitualmente. Há um elevado consenso na comunidade científica que na presença de criação fechada/selada 80-90% das varroas estão protegidas pelos opérculos. O método que eu utilizei de monitorização de varroas em abelhas adultas permite-me ficar com uma boa ideia dos números da infestação de apenas 15% da população total. Fazendo os cálculos, com base numa taxa de infestação de 0,2%, obtenho 46 varroas foréticas (15% em 23 000 abelhas), logo 100% da população de varroas serão 307 varroas.
Existe um bom consenso na comunidade científica que a população de ácaros varroa duplica o seu número, em colónias com criação, por cada 30 dias passados. Aceitando como fidedigno que a população total de varroas no final de abril é de 307 varroas, temos estes números nos meses seguintes:
- final de maio= 614 varroas população total;
- final de junho= 1228 varroas população total;
- final de julho= 2456 varroas população total;
- final de agosto= 4912 varroas população total;
- final de setembro = 9824 varroas população total.
Juntando os dados e concluindo
Estamos, nesta altura, em condições de calcular a taxa de infestação nas abelhas adultas pelo ácaro varroa nas colónias que apresentem uma dinâmica populacional aproximada da que apresentei.
- final de abril=307 varroas para 23 000 abelhas; infestação de 0,2%;
- final de maio= 614 varroas para 45 000 abelhas; infestação de 0,2%;
- final de junho= 1228 varroas para 39 000 abelhas; infestação de 0,47%
- final de julho= 2456 varroas para 33 000 abelhas; infestação de 1,12%
- final de agosto= 4912 varroas para 27 000 abelhas; infestação de 2,72%
- final de setembro = 9824 varroas para 21 000 abelhas;infestação de 7%.
Neste artigo científico os autores concluem dizendo que uma taxa de infestação pelo ácaro da varroa superior a 3% aumenta em cinco vezes a probabilidade do tratamento ser ineficaz, portanto o timing com que o mesmo é efectuado é crítico/decisivo quanto à sua eficácia.
Concluo que o momento/o timing ajustado para iniciar o tratamento contra a varroa, nas minhas colónias na beira alta, especialmente as situadas a cotas mais baixa, e com um acaricida lento tem uma boa janela de oportunidade ao longo do mês de agosto. Mais tarde poderá ser tarde demais. Não só pelos ácaros mas também pelos vírus por eles veiculados. Estas abelhas que irão nascer devem ser o mais saudáveis possível para viverem os 100 a 120 dias até à primavera seguinte.