Um grande agradecimento ao André Silva por ter aceite o meu desafio para escrever umas linhas a testemunhar a sua experiência com abelhas de linhas exóticas, neste caso em particular, com abelhas da linha buckfast. Para quem não conheça o André, posso dizer que para além de uma excelente pessoa, do seu dinamismo empreendedor, da sua coragem comercial, da sua abertura à experimentação, é um apicultor muito experimentado, que se tem dedicado à criação e comercialização de abelhas rainha entre outros produtos da colmeia. Tem a sede da sua operação apícola na bela Madeira. Deixo-vos o testemunho do André:
“Como Apicultor e apaixonado por abelhas, tenho um apiário que fica mais isolado no qual vou fazendo as minhas experiências com algumas raças de abelhas e cruzamentos, dai vejo o que funciona ou não e tiro as minhas conclusões.
A experiência que hoje vou partilhar é sobre as abelhas buckfast. A famosa abelha selecionada pelo Irmão Adam e durante algum tempo considerada por muitos a melhor abelha do mundo.
Comprei e ofereceram-me algumas F0 a partir das quais fiz algumas F1. Uma abelha muito bonita e fácil de trabalhar pela sua mansidão, mas que me tem desiludido noutros aspectos, em particular na produção e capacidade de fazer reservas no inverno.
Por tudo o que já li sobre esta abelha estava com expectativas muito altas. Realmente é uma abelha calma que fascina qualquer amante de abelhas quando levanta uma prancheta de uma colmeia buck, contudo apresenta pouca capacidade de produção em F0. Esta abelha tem um periodo de invernagem longo sendo quase impossível fazer recolha das florações de inicio do ano, como é o caso da floração do eucalipto. Enquanto as negras fazem algumas alças de mel de eucalipto esta abelha continua a «dormir» despertando só na primavera. Quando «acorda» tem um desenvolvimento rápido e exponencial, e se estiver numa zona de floração longa até armazena algum mel. Noto também que desde que o clima e temperaturas sejam favoráveis não fazem o abrandamento de postura de acordo com os fluxos e florações, obrigando o apicultor a estar atento e preparado para, no inverno, alimentar as colónias frequente e massivamente para as ajudar fazer face à escassez de reservas para tanta abelha criada em assincronia com o meio envolvente.
Talvez seja uma boa abelha para países com grandes florações e com períodos meteorológicos bem definidos, que obrigue a rainha a parar a postura cedo para entrar ajustadamente no período de invernagem.
Muitos dos testemunhos que se ouvem acerca da produção de abelhas buckfast em Portugal penso que se referem já a rainhas F1, ou seja um híbrido de bucksfast.
Os melhores resultados que tive desta abelha foi mesmo com híbridas F1, cruzadas com machos caucasianos, onde constatei que aumentavam as suas reservas e mantinham a sua mansidão.
É uma abelha que cada vez mais vou descobrindo e tem sido uma desilusão. Penso que não foi esta abelha que o Irmão Adam deixou. A buckfast neste momento caminha a passos largos para uma abelha de «carne», não para uma abelha de produção. Não sei o que os criadores desta raça têm feito para a conservação das características originais das abelhas herdadas do Irmão Adam, mas arrisco-me a dizer que o foco tem sido em mantê-las apenas calmas para ser uma abelha de reprodução no estado híbrido.
Neste momento sinto-me cada vez mais confiante na selecção e trabalho com a abelha negra. Vou-me agarrar à linha que reproduzi em 2018 que chamava de M3.
Quanto às pessoas que gostam de trabalhar com híbridos é preciso ter consciência que para funcionarem, e ter bons resultados no que diz respeito à produção, tem de ter um criador de rainhas que lhes forneça rainhas fecundadas em F1 … e que tudo o que passar dai é «lixo», não vai funcionar, com a agravante de que até essas linhas voltarem a estabilizar é preciso muito tempo.
Boas apis a todos.” André Silva
Em boa parte julgo que a decepção que o André teve com as actuais buckfast (que alguns ingleses já apelidam jocosamente de “fastbuck”, isto é, “dinheiro rápido”) está ou na falta de competência dos actuais criadores, ou na sua falta de seriedade, ou na falta de condições, ou tudo isto junto. Acerca das condições dos apiários de acasalamento o Irmão Adam é mutíssimo claro acerca da sua importância quando escreveu: “Tudo isso [referindo-se ao programa de melhoramento da abelha buckfast que liderou ao longo de muitas décadas, num apiário isolado em Dartmoor] seria impossível sem um apiário devidamente isolado. Os apicultores suíços deram ao mundo um exemplo valioso na sua criação científica de abelhas pela introdução de estações de acasalamento. A inseminação artificial é de grande valor científico, mas o uso de apiários de acasalamento ainda é o único meio pelo qual podemos produzir rainhas confiáveis de super qualidade.”
Nota: em Portugal há uns quantos criadores de abelhas de linhas exóticas. Não estão a infringir nenhuma lei do país que eu conheça. Esta publicação não é para eles, por isso dispenso os seus comentários, porque nem eu os convencerei a mudar de linha de acção nem eles me convencerão que estou errado, ou que o André não observou o que observou. Acredito que estamos bem conscientes das vantagens, limitações e desvantagens das linhas exóticas. Este publicação é para os apicultores mais “verdes”, que podem estar a ponderar introduzir linhas exóticas nos seus apiários para experimentar. Como refere o André, a poluição genética depois de introduzida demora a limpar. Se mesmo assim desejarem avançar com a compra não deixem de perguntar ao fornecedor/criador dessas linhas se tem uma estação de acasalamento devidamente isolada que garanta uma fecundação livre na ausência de zângãos ibéricos, condição necessária à boa qualidade das rainhas que pretendem adquirir.
Concordo plenamente com o André, com os meus 50 anos de experiência fico triste por ver gente a ir na conversa da introdução de outras espécies poluindo tudo o que temos de bom.
Ildebrando Ferreira