Este estudo, publicado em outubro deste ano, é muito interessante a diversos níveis e as minhas observações a olho, nas minhas colónias no campo, também apontam no mesmo sentido: em colónias muito parasitadas pelo ácaro varroa as abelhas andam mais dispersas nos quadros, menos agregadas e coesas. Desde há anos, quando abro uma colónia no verão/outono e observo as abelhas muito dispersas pelos quadros mais laterais, isto em pleno tratamento, desconfio que algo não está bem. E geralmente não está. Esta investigação vem confirmar esta minha constatação.
“Resumo: O distanciamento social em resposta a doenças infecciosas é uma estratégia exibida por animais humanos e não humanos para neutralizar a disseminação de patógenos e/ou parasitas. As colónias de abelhas (Apis mellifera) são modelos ideais para estudar este comportamento devido à estrutura compartimentada dessas sociedades, evoluindo sob a exposição à pressão do parasita e a necessidade de garantir um funcionamento eficiente. Aqui, usando uma combinação de abordagens espaciais e comportamentais, investigamos se a presença do ácaro ectoparasita Varroa destructor induz mudanças na organização social das colónias de A. mellifera que poderiam reduzir a disseminação do parasita. Nossos resultados demonstraram que as abelhas reagem à intrusão de V. destructor modificando o uso do espaço e as interações sociais para aumentar o distanciamento social entre coortes de abelhas jovens (amas) e velhas (forrageadoras). Estes dados sugerem fortemente uma estratégia comportamental não relatada anteriormente em abelhas para limitar a transmissão intra-colónia do parasita.“
fonte: https://www.science.org/doi/10.1126/sciadv.abj1398
Nota 1: para além das hipóteses explicativas que encontro para a menor eficácia das tiras de Apivar nos dois últimos anos durante os tratamentos de verão (até agora o Apivar tem-se revelado muito eficaz nos tratamentos de final de inverno) que identifiquei na Nota 2 da publicação anterior, é possível que este distanciamento social contribua para uma insuficiente distribuição do amitraz entre todos os indíviduos da colónia, em particular entre as abelhas amas e as abelhas forrageiras. Na minha prática, coloco as tiras entre quadros com criação, e vou-as deslocando de forma a acompanharem a contracção da zona de criação. Se as abelhas forrageiras, vindas do campo pilharam colónias a colapasar por varroose nos apiários dos vizinhos e trouxerem agarradas ao seu corpo varroas do exterior, estas varroas poderão sobreviver sem serem expostas à dose letal de acaricida, dado que as abelhas amas não contactam o suficiente com as suas irmãs mais velhas para lhes passar a quantidade desejável de acaricida.
Nota 2: parece-me, neste contexto, que veículos celulósicos do amitraz, que permitam às abelhas roê-los, espalhar os pequenos pedaços de cartão pelo espaço da colmeia, poderá contrabalançar os efeitos do distanciamento social na distribuição do acaricida por todos os indivíduos da colónia.
Nota 3: como sabemos bem as abelhas na presença de tiras de cartão roem-nas afanosamente. Este comportamento de limpeza (que nada tem a haver com comportamento higiénico, são comportamentos independentes um do outro, isto é, as abelhas podem ser muito limpas e, contudo, não retirarem rapidamente dos alvéolos pupas ou larvas mortas, este sim o comportamento que expressa o comportamento higiénico) está bem disseminado nas populações de abelhas, creio eu. Indo um pouco mais longe, este comportamento de limpeza instintivo poderá agregar as abelhas sobre as tiras. Se assim for este instinto de limpeza pode contrabalançar o comportamento instintivo de distanciamento social num contexto de elevada parasitação pelo ácaro varroa, contribuindo para a agregação e contacto mais intenso entre as abelhas de diferentes gerações, o ideal para o aumento da eficácia dos tratamentos que funcionam por contacto. Um bom tema para ser investigado na minha opinião, e que seria de muita utilidade para todos nós. A ver se algum aluno de doutoramento pega nesta deixa!