categoria desdobramentos porquê

O objectivo desta nova categoria é dar aos leitores do blog informação acerca desta componente tão importante da atividade apícola. Os desdobramentos são uma ferramenta crucial para todo o apicultor que pretenda tornar-se auto suficiente, quer para aquele que através da criação de novas colónias visa aumentar o seu efectivo apícola, quer para aquele que através da substituição de colónias perdidas procura manter um número estável das mesmas de ano para ano.  Muitos dos métodos que aqui serão descritos não estão projetados para a criação de rainhas em grande escala. Na opinião de Gilles Fert, todos os apicultores que não necessitam de produzir mais de 200 rainhas por ano, podem/devem adoptar estes métodos simples, mais orgânicos, com menos necessidade mão de obra, menor necessidade de equipamento especializado e menos exigentes do ponto de vista da calendarização das atividades. Seguramente, e aceitando esta baliza das 200 rainhas/ano proposta por este experimentado criador de rainhas, este é o cenário que enquadra as necessidades de uma larga maioria dos apicultores portugueses.

A minha intenção não passa tanto por fornecer receitas acabadas per si para efectuar os desdobramentos, que são muitas e diversificadas. Procurarei dar um enfoque enquadrador dos princípios subjacentes nos quais os métodos e técnicas dos desdobramentos assentam. A biologia da abelha, ao nível individual, e os comportamentos sociais das abelhas, ao nível colectivo, serão as pedras basilares que nos permitirão explicar, compreender, atuar e até inovar. Por forma a que as nossas intervenções alcancem o sucesso pretendido, de acordo com os objectivos e capacidades de cada um. Se os princípios forem compreendidos, os apicultores podem adaptar os detalhes para os fazer coincidir e ajustar a uma ampla gama de situações, entre as quais destaco: os recursos (as colónias que estão disponíveis), o montante do aumento/recuperação necessário, a época do ano e os equipamentos disponíveis. Também deve ser levado em conta o grau de controle/prevenção da enxameação, um prémio a juntar à necessidade de efetuar os desdobramentos.  A minha experiência tem demonstrado que a utilização de métodos de desdobramentos que são muito semelhantes ao comportamento natural de uma colónia de abelhas tem muitas vantagens práticas, e com taxas de sucesso muito gratificantes.

Não quero deixar de ligar também esta prática de auto sustentabilidade ao efeito benéfico, na minha opinião, de produzirmos rainhas mais adaptadas ao local e em condições sanitárias mais controladas. O resultado de introduções de raças não-nativas provoca um certo grau de “mestiçagem” (introgressão genética) nas abelhas adaptadas localmente. Se esta condição tende a persistir ao longo de várias gerações, pode significar que os genes envolvidos conferiram algumas vantagens adaptativas. Contudo, muitas vezes esta vantagem não ocorre: estes cruzamentos perturbam e introduzem no “pool” genético características não-adaptativas, provocadas pela dispersão de zângãos não autóctones, criando ondulações genéticas, que podem significar um passo atrás no tempo. Naturalmente estas ondulações genéticas não adaptativas serão resolvidas pela seleção natural, mas demoram o seu tempo e têm os seus custos, que como sabemos não ficam a só a cargo do próprio mas também dos apicultores vizinhos. Por outro lado, e do ponto de vista sanitário, sabemos que as viroses não são todas iguais no que respeita à sua virulência. Os desdobramentos de abelhas locais funcionam como uma barreira à introdução de estirpes de vírus mais virulentos, que poderão ser veiculados pelas rainhas e abelhas amas aquando das importações das mesmas.

Sem querer cair no demagógico e estafado slogan “o que é nacional é bom” não quero também deixar-me iludir-me pelas promessas “o que é estrangeiro é melhor”. Outros pensarão de forma diferente, e terão os seus argumentos. Melhorar o que é nosso é a minha proposta de fundo.

pobres rainhas de emergência

Entre os apicultores está mais ou menos generalizada  a opinião de que as rainhas de emergência são rainhas de qualidade inferior, portanto a evitar. Associada a esta opinião, e decorrendo em grande medida da mesma, acredita-se que o translarve, ou a criação de rainhas pelo método Doolittle, produz rainhas de qualidade superior. Uma das razões mais vezes lida e ouvida, que dá suporte a esta ideia, é a de que o translarve é feito com larvas com a idade adequada: larvas com não mais que 48 h de idade. Por contraste, afirma-se que as rainhas de emergência são produzidas a partir de larvas com várias idades, podendo até ultrapassar as 72 horas de idade. Será mesmo assim ou não passará de uma ideia feita? Fazendo a pergunta de uma outra forma: até que ponto estas ideias são confirmadas por estudos controlados, com métodos bem definidos, replicáveis e com avaliações mais finamente calibradas?

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Fig. 1 — Quadros com cúpulas preparados para efectuar o translarve

Numa experiência em que 8 colónias foram orfanadas por forma a construírem realeiras de emergências constatou-se que:

  • as abelhas iniciaram a construção da maioria das realeiras até 24h depois da orfanação ocorrer e nenhuma realeira foi construída após 3 dias a contar do dia da orfanação;
  • foram criadas realeiras a partir de todas as idade de ovos (1, 2 e 3 dias) e de larvas com não mais de dois dias a contar do dia da orfanação;
  • a maioria das rainhas foram criadas a partir de indivíduos que eram ovos  no dia da orfanação (69,2%) e cerca de metade destes eram ovos de 48-72 horas de idade (34,1 %);
  • 37,0% das realeiras construídas em torno de ovos  com 0-24 h de idade e mais do que metade (61,1%) das realeiras começadas em torno de larvas de 24-48 h de idade foram destruídas pelas abelhas antes das rainhas nascerem;
  • rainhas criadas a partir de ovos com 48-72 h eram significativamente mais pesadas do que rainhas criadas a partir de larvas com 0-24 h ou larvas de 24-48 h de idade;
  • rainhas criadas a partir de ovos de 48-72 h de idade tinham o tórax significativamente maior do que as rainhas criadas a partir de ovos com 24-48 h idade ou a partir de larvas de 0-24 h de idade;
  • finalmente, não se verificou nenhuma relação significativa entre o peso da rainha e o número de ovaríolos.

Fonte consultada: Worker regulation of emergency queen rearing in honey bee colonies and the resultant variation in queen quality

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Fig. 2 — Quadro com várias realeiras de emergência

Podemos concluir, com alguma segurança, que as rainhas de emergência, por regra, têm o mesmo número de ovaríolos (condição crítica para o seu bom desempenho) e produzem colónias com o mesmo nível de desempenho, ou melhor, que as rainhas criadas com o método de translarve. Tudo o que é necessário para produzir rainhas de emergência bem desenvolvidas é que a colónia em que estas são criadas disponha de recursos adequados de abelhas, particularmente abelhas novas em boa quantidade, ovos e larvas de todas as idades e boas reservas alimentares. Nestas condições, as abelhas criam rainhas tão bem ou até melhor que qualquer bom criador de rainhas que utiliza o método de translarve.

factores causadores das perdas invernais de colónias de abelhas

 

Os factores causadores das perdas invernais são múltiplos. Importa ao apicultor estar consciente dos mesmos, para compreender os riscos e, sobretudo, para tomar ações preventivas com o objectivo de os minimizar ou até eliminar. Passemos à sua identificação:

1­ — Níveis do ácaro da varroa: taxas elevadas de infestação estão associados às perdas invernais, de acordo com inquéritos/avaliações de larga escala levados a cabo na Europa e EUA (1);

2 — Infecções causadas por vírus: o vírus das asas deformadas, o vírus da paralisia aguda israelita e o vírus da paralisia aguda, transmitidos pela varroa, estão entre os mais comuns (2);

3 — O tipo genético da colónia: colónias lideradas por rainhas locais (no nosso caso rainhas do ecotipo iberiensis) sobrevivem em média mais 83 dias que colónias lideradas por rainhas de ecotipos/raças estrangeiras (3);

4 — A dimensão da colónia e suas reservas: colónias maiores utilizam as suas reservas de alimento mais eficientemente, isto é, o consumo per capita é menor em colónias maiores que o verificado em colónias menores (4);

5 — Exposição das abelhas a pesticidas: os pesticidas estão associados a efeitos sub-letais perniciosos, nomeadamente redução da longevidade, disfunção das funções imunitárias, aprendizagem e memória, orientação e coordenação motora (5).

 

  • (1) Le Conte Y, Ellis M, Ritter W: Varroa mites and honey bee health: can Varroa explain part of the colony losses? Apidologie 2010, 41:353-363.
  • (2)Genersch E, Ohe W, Kaatz H, Schroeder A, Otten C, Bu ̈ chler R, Berg S, Ritter W, Mu ̈ hlen W, Gisder S et al.: The German bee monitoring project: a long term study to understand periodically high winter losses of honey bee colonies. Apidologie 2010, 41:332-352.
  • (3) Buchler R, Costa C, Hatjina F, Andonov S, Meixner MD, Le
 Conte Y, Uzunov A, Berg S, Bienkowska M, Bouga M et al.: The influence of genetic origin and its interaction with environmental effects on the survival of Apis mellifera L. colonies in Europe. J Apic Res 2014, 53:205-214.
  • (4)Free JB, Racey PA: The effect of the size of honeybee colonies on food consumption, brood rearing and the longevity of the bees during winter. Ent Exp Appl 1968, 11:241-249.
  • (5) Desneux N, Decourtye A, Delpuech JM: The sublethal effects of pesticides on beneficial arthropods. Annu Rev Entomol 2007, 52:81-106.

carta de informação de fevereiro icko

“Alimentar, sempre alimentar!

Fevereiro é um mês curto, o mais curto, mas o pior, o frio intenso pode ser frequente, embora estes primeiros dias tenham sido suaves. Atualmente colmeias consomem muito mel, com os raios de sol a permitirem saídas diárias às abelhas. Algumas colmeias já têm mais de 4 quadros de criação…

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Esperando que o frio não seja brutal e há que manter a vigilância!

A alimentação é o leitmotiv do inverno, se as reservas se revelaram insuficientes no outono, não há que ter receio de colocar o candi no óculo da prancheta ou diretamente sobre o travessão superior dos quadros onde as abelhas estão. Na falta, 1kg de cubos de açúcar pode ser o truque. Os cristais demasiado grandes não dissolvidos pela humidade da colmeia, cairão sobre o estrado. Nós encontramos uma certa quantidade de cristais no estrado durante a visita da primavera.

O xarope que damos a partir de fins de março, início de abril, quando o as temperaturas excedem 13°C será utilizado para acelerar a postura da rainha. Abaixo desta temperatura, o xarope por estar muito frio pode não ser consumido pelas abelhas que cairiam dormentes com o frio se o fizessem. Um indicador: horário de verão = xarope; hora de inverno = candi.

Com o calor sabemos que os pólens entram nos dias de sol, o pólen da avelaneiras, entre o primeiro são pobres em proteínas, o candi de proteínas vai ajudar colônias a expandir sua criação.

Uma referência é o florescimento dos dentes de leão, a sua chegada em massa é o sinal de um aquecimento sustentável,  e o xarope provavelmente será bem consumido.

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A minha insistência sobre o controlo dos alimentos e reservas das colónias é devida ao calor deste outono. Até o Natal, eu vi as abelhas a saírem e as colónias mantiveram-se ativas. O consumo de mel foi impressionante como eu raramente vi. A diminuição do peso das colmeias foi extraordinariamente rápido. A mortalidade das colónias pode estar esperando por você!”

Fonte: http://www.icko-apiculture.com/blog/2016/02/03/lettre-dinformation-fevrier/

Nota: esta carta icko é escrita a pensar nos apicultores em França. Contudo, neste ano, o seu conteúdo poderia ser aplicado com toda a propriedade aos meus apiários na beira interior. Suponho que possa ser também o caso de outros companheiros. Muita atenção para que elas não nos morram agora na praia!

nutrição e alimentação

Inicio mais esta categoria designada nutrição e alimentação começando por fazer uma breve descrição do que se entende por nutrição e de que forma se distingue do outro conceito presente no título, alimentação.

A nutrição é a ciência que se encarrega do estudo e manutenção do equilíbrio homeostático do organismo a nível micro e macro sistémico, garantindo que os eventos de natureza fisiológica se efetuem de maneira correta, com vista a alcançar uma saúde adequada e prevenindo as enfermidades.

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Os processos moleculares ou micro-sistémicos estão relacionados com o equilíbrio de elementos como: enzimas, vitaminas, minerais, aminoácidos, açucares, transportadores químicos, mediadores bioquímicos e hormonas, entre outros.

Em termos mais simples podemos entender a nutrição como a maneira sistematizada de proporcionar alimentos que contenham os nutrientes necessários para que um ser vivo (neste caso as abelhas) realize, de maneira adequada, todas as suas funções biológicas.

A alimentação é a ação de proporcionar alimentos a um ser vivo. Consiste na obtenção, preparação e ingestão de alimentos. Por sua vez a nutrição é o conjunto de processos fisiológicos mediante os quais os alimentos ingeridos são transformados e assimilados.

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a pontualidade suiça

Pesquisadores suíços mostraram que o Vírus das asas deformadas (VAD) reduz o tempo de vida das abelhas obreiras e que os altos níveis de VAD estão diretamente associados – têm um efeito causal – à perda de colónias durante a invernagem (ver post relacionado). Por conseguinte, a finalidade do tratamento contra a varroa no final de verão/início do outono é reduzir os níveis desta, de modo a que os níveis elevados das estirpes virulentas de VAD não sejam transmitidas às abelhas de inverno.  Quando é a melhor altura para tratar é a questão de um milhão de euros?  Dizer que tem que ser suficientemente cedo para que esta população de abelhas de inverno, crítica para a sobrevivência na invenagem, viva até a primavera já é um alerta, mas um pouco vago. Vejamos se é possível chegar a uma resposta mais concreta.

No estudo suíço acima referido, os investigadores olharam para a longevidade de abelhas de inverno. Podemos usar os dados da sua pesquisa para inferir quando começam a ser criadas as abelhas de inverno na colónia e quando o tratamento do ácaro da varroa deve, portanto, ser concluído para proteger essas abelhas.

Os estudos foram conduzidos em Berna, Suíça, em 2007/08, onde a temperatura média em novembro/dezembro desse ano foram 3ºC (não muito distantes das temperaturas médias nos locais dos meus apiários na Beira). Os investigadores observaram, pela primeira vez, diferenças mensuráveis ​​na longevidade das abelhas de inverno (entre colónias que, posteriormente, sucumbiram ou sobreviveram) em meados de novembro. Este fenómeno ocorreu 50 dias após abelhas terem nascido (as abelhas foram marcados para se poder determinar a sua idade). Até ao final de novembro, essas diferenças foram-se acentuando. Portanto, em meados de novembro, as abelhas de inverno expostas à varroa e ao vírus já exibiam uma vida útil reduzida. Subtraindo 50 dias a partir de meados de novembro significa que essas abelhas nasceram no final de setembro. Como é do conhecimento geral, o desenvolvimento das abelhas obreiras demora 21 dias. Assim, os ovos devem ter sido colocados na primeira semana de setembro e as larvas em desenvolvimento terão sido operculadas em meados de setembro (sabe-se que a varroa entra no alvéolo onde a larva se desenvolve cerca de 12h a 24h antes deste ser operculado — ver post relacionado).

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Fig. 1 — Quadro com sinais de parasitação pelo ácaro varroa, e muito provavelmente pelo vírus das asas deformadas, numa colónia que irá morrer por fome nos dias frios de inverno por não ter abelhas suficientes para chegarem ao mel armazenado

No estudo suíço referido, para proteger a população de abelhas de inverno, o tratamentos dos ácaros teria, portanto, que estar concluído até meados de Setembro, de modo que os níveis de varroas sejam suficientemente baixos, garantindo que as larvas em desenvolvimento não sejam infestadas pelos ácaros, veículos de transporte de cargas potencialmente letais do VAD.

Para o tratamento com Apivar (tratamento que tenho eleito e que leva 6 semanas a estar concluído), isso significa que o tratamento deve ser iniciado entre o início e meados de agosto.

Claro, estes números e datas não são universais e devem ser ajustados aos locais onde se situam os apiários, assim como às particularidades dos tratamentos que cada um decide utilizar. No meu caso particular, e nos meus apiários da Beira, estas datas fazem todo o sentido, de acordo com as observações que tenho realizado nos dois últimos anos. Para não chegar tarde, devemos ter a pontualidade suíça.

Actualização (26-01-2019): Actualmente deixo as tiras de Apivar nas colmeias entre 10 a 12 semanas.

morta ou viva: o Vírus das asas deformadas e o Varroa destructor reduz a esperança de vida das abelhas de inverno

Nesta nova categoria, designada estudos, conto ir colocando posts com traduções de estudos científicos que nos possam ajudar a compreender e até a perspectivar melhor as nossas abelhas e o seu mundo, hoje e no futuro.

Sumário/Abstract

“As elevadas perdas de colónias de abelhas no Inverno são uma grande preocupação, mas os mecanismos subjacentes permanecem controversos. Entre os suspeitos estão o ácaro Varroa destructor, o microsporídio Nosema ceranae, e os vírus associados. A nossa hipótese é que os agentes patogénicos reduzem a esperança de vida das abelhas de inverno, constituindo assim um mecanismo imediato para perdas de colónias. A monitorização das colónias foi realizada ao longo de 6 meses na Suíça a partir do Verão de 2007 e Inverno de 2007/2008. As obreiras que foram morrendo foram recolhidas diariamente e analisadas quantitativamente para o vírus das asas deformadas (VAD), o vírus da paralisia aguda da abelha (VPA), Nosema ceranae, e os níveis de expressão do gene da vitelogenina, como um biomarcador para a longevidade da abelha. As obreiras de colónias que não conseguiram sobreviver no inverno tinham uma vida útil reduzida logo no final do outono, tinham maior probabilidade de estar infectadas com o VAD, e tinham cargas mais altas de VAD. A infecção ao nível da colónia com o ácaro Varroa destructor e infecções ao nível individual com VAD também foram associados com reduzida esperança de vida das abelhas. Em nítido contraste, o nível de infecção Nosema ceranae não se correlacionou com a longevidade. Além disso, a expressão do gene da vitelogenina foi significativamente correlacionado de forma positiva com VPA e com as cargas de N. ceranae.

As descobertas sugerem fortemente que a V. destructor e o VAD (mas não a N. ceranae nem o VPA) reduzem o tempo de vida das abelhas de inverno, constituindo assim um mecanismo directo possível para perdas de colónias de abelhas.”

fonte: http://aem.asm.org/content/78/4/981.long

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Fig. 1 — Abelha com as asas deformadas por acção do VAD

tenho que fazer cera

Nas abelhas Apis mellifera, a cera é uma substância secretada por meio de oito glândulas cerígenas, que estão localizadas na parte inferior do abdómen, sendo libertada na forma líquida e que ao entrar em contacto com o ar solidifica e fica em forma de lâminas brancas que são perfeitamente visíveis.

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Fig. 1 — Abelha a produzir pequenas escamas de cera nas oito glândulas cerígenas

Estas pequenas escamas de cera nova são produzidos por abelhas operárias com idade entre 12 a 18 dias de vida adulta. Após este período, normalmente as glândulas atrofiam-se e param de funcionar nas abelhas mais velhas. A cera pura, tal como se encontra nas escamas secretadas pelas operárias, é branca, e a coloração final dependerá da presença de pólen e própolis. A cera contém mais de 300 componentes, o que ilustra bem a complexidade deste composto.

Sabendo que a época de produção de cera pelas abelhas varia com os locais e até com os anos, importa ao apicultor ir precisando no seu calendário apícola a altura do ano em que as abelhas a produzem num ritmo intenso e rápido. Assim, o apicultor munido desta informação pode organizar devidamente a colocação das lâminas de cera nos quadros e, sobretudo, gerir o momento mais oportuno para ir colocando os quadros de cera laminada nos ninhos das suas colmeias. Será muito perturbador para a colónia ver colocados no seu ninho quadros de cera laminada quando as abelhas ainda não estão preparadas para os  puxar. Estes quadros, ao invés de terem um papel na expansão da câmara de criação como era intenção do apicultor, acabam por constituir barreiras às abelhas, quais muralhas de uma fortificação.

É sabido que que as abelhas campeiras/forrageiras não armazenam o néctar nos favos; elas transferem a sua carga de néctar para as abelhas armazenadoras mais novas que estão na entrada da colmeia. Quando estas abelhas armazenadoras estão cheias, partem à procura de um local, no interior da colmeia, onde possam armazenar o néctar. Se depois de um tempo razoável (o “tempo razoável” não parece estar bem determinado na literatura, mas provavelmente será alguns minutos) a abelha armazenadora não encontra um alvéolo onde depositar o néctar — um que não esteja já cheio de néctar, que não esteja a ser utilizado por outra abelha, ou que não tenha cria — acaba por ingerir o néctar. Neste processo, o néctar, que era parte da colheita, acaba no sistema digestivo da abelha. Este consumo elevado de açucares transforma estas abelhas em produtoras de cera, em abelhas cerieiras. Esta transformação é um ponto crítico na vida da colónia de abelhas ao qual o apicultor deve estar muito atento.

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Fig. 2 — Cacho de abelhas a construírem favo novo

A minha experiência diz-me que estas abelhas cerieiras estão em grande número e “esfomeadas” por fazerem cera quando começo a ver pequenas extensões de cera nova, muito clara, a aparecerem nas faces laterais dos travessões superiores dos quadros.

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Fig. 3 — Pequenos favos adventícios de cera nova

Esta transformação começa usualmente quando 60-70% do espaço disponível para o armazenamento está ocupado. As abelhas, que se converteram às tarefas de produzir cera e construir favos, visitam frequentemente a entrada da colmeia para se reabastecerem de combustível junto das abelhas forrageiras.

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Fig. 4 — Cera branca na face interior da prancheta

Quando o fluxo de néctar termina, este comportamento cessa também. A necessidade de construir favo novo cessa com o abrandamento e fim do fluxo de néctar. Este mecanismo autorregulado permite e garante que as abelhas não construam mais favo do que aquele que necessitam.

Uma questão que divide os apicultores gira em torno de como apresentar a cera laminada às abelhas para que elas procedam o mais rapidamente possível à construção dos favos para armazenar o mel. Será ou não importante colocar as quadros com cera laminada logo por cima do ninho? Como já foi referido, o que mais importa nesta equação é a necessidade que as abelhas sentem de construir favo novo e um fluxo de néctar generoso que forneça o combustível à realização desta tarefa. Acrescento que, em geral, a puxada de cera é mais fácil no local mais quente da colmeia, e este local é imediatamente por cima do ninho. No entanto, se os dias estiverem quentes e se houver um fluxo de néctar generoso, as abelhas puxarão alegremente a cera se a alça ou meia-alça de cera laminada estiver mais distante do ninho, no topo da colmeia. Colocar um ou dois quadros com mel nesta caixa do topo poderá encorajar as abelhas a subirem e a puxarem a cera laminada mais cedo.

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Fig. 5 — Quadro puxado com cera nova

dando espaço à postura de uma rainha prolífera

A Lei de Farrar é muito clara relativamente à relação que existe entre o número de abelhas de uma colónia e a produção de mel. Mais, diz-nos que esta relação é não-proporcional, isto é, uma colónia de 60 000 abelhas produz mais que duas colónias com 30 000 abelhas.

Em Portugal, os modelos de colmeias mais utlizados são a reversível, a lusitana e a langstroth. Estes ninhos, na configuração de um só andar, não têm uma dimensão suficientemente ampla para albergar a postura de uma rainha prolífera na altura do pico de postura que, em geral, ocorre na primeira metade da primavera. Alguns apicultores, conhecendo os constrangimentos destes ninhos, colocam uma segunda caixa, o chamado sobre-ninho ou segundo ninho, de igual dimensão para duplicarem o espaço da câmara de criação. Esta solução, com alguns inconvenientes não o negamos (ver post relacionado), justifica-se pelo facto de potenciar o desenvolvimento de colónias mais populosas, logo mais produtivas e, em simultâneo, promover o descongestionamento do ninho, reduzindo o potencial de enxameação (ver post relacionado).

Mas… (há sempre um “mas”, não é?) para que o efeito do sobreninho seja optimizado e se concretize em colmeias mais populosas e menos congestionadas há um “saber-fazer”, que tem de ser dominado pelo apicultor que deseja fazer da apicultura algo mais do que um simples acto de colocar caixa sobre caixa.

Neste sentido vamos identificar duas técnicas, a saber, pyramiding e checker boarding. Vou manter as designações em inglês pela simples razão da minha dificuldade em traduzi-las de forma satisfatória para o português.

Pyramiding é uma técnica que pode ser utilizada para dar um acesso rápido quer à rainha quer às obreiras ao sobre-ninho, permitindo um aumento da postura e população e, simultaneamente, reduzindo o congestionamento no ninho. Esta técnica é desencadeada com a colocação  do sobre-ninho sobre a colmeia que até aí tinha apenas um ninho. Se possível, é desejável utilizar quadros com cera puxada, mas se tal não for possível podem ser utilizados quadros com cera moldada. O diagrama em baixo ilustra como os quadros são reconfigurados quando utilizamos esta técnica com quadros de cera puxada.

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Com os diagramas à nossa frente, passo agora à descrição passo a passo da técnica pyramiding:

1— Crie um espaço na nova caixa a adicionar (o sobre-ninho) retirando 3 quadros de cera puxada do centro desta caixa;

2— Tire 2 quadros com criação do ninho e um quadro com mel e pólen do ninho original e coloque-os no espaço central criado na nova caixa;

3— Centre os quadros com criação na caixa original e preencha os espaços vazios nas laterais da câmara de criação com quadros vazios (preferencialmente com cera puxada) retirados da nova caixa/sobre-ninho.

Depois de colocada esta segunda caixa ou sobreninho, mais opções ficam disponíveis por forma a reduzir o congestionamento e ajudar a prevenir a enxameação. Devido à tendência natural das abelhas fazerem o seu movimento para cima, a partir de um certo momento a probabilidade de a câmara de criação se localizar neste segunda caixa é grande. Neste caso, a caixa superior e a caixa inferior podem ser invertidas. Esta operação estimula as abelhas a acederem e a utilizarem de forma mais equilibrada as duas caixas aos invés de uma só.

Uma situação menos comum surge quando a rainha está a fazer criação em simultâneo nas duas caixas, ninho e sobreninho. Apesar de não utilizar o modelo reversível, tudo me leva a crer que esta situação é relativamente comum neste modelo de colmeia (aqueles que utilizam este modelo e que me estiverem a ler podem confirmar ou infirmar esta ideia fazendo um comentário). Nesta circunstância a inversão das caixas pode não ser adequado porque pode resultar numa divisão indesejada da câmara de criação ou ainda porque esta inversão não diminui de forma notável o congestionamento de abelhas nos ninhos. Outra acção deverá ser tomada que não a inversão das caixas. Para gerir esta circunstância, rainhas a fazer postura nas duas caixas, ninho e sobre-ninho, podemos utilizar a técnica do checker boarding, com o objectivo de aliviar o congestionamento do ninho e assim reduzir o impulso da enxameação.

Lembremo-nos que como resultado da enxameação por falta de espaço, perdemos não só a rainha e 40 a 50% das abelhas, mas também a esperança de aquela colónia vir a fazer uma boa produção de mel. Não nos podemos esquecer que metade das abelhas produzem menos que metade do mel.

Sobre o checker boarding escreverei mais adiante.

abelhas no desemprego… à beira da enxameação

As colónias de abelhas iniciam a criação de realeiras de enxameação durante um período de rápido crescimento da população de novas abelhas obreiras (ver post relacionado). A altura do ano em que este fenómeno ocorre varia com as zonas e é do interesse do apicultor ir anotando de ano para ano quando se inicia e quando abranda ou pára. Para além deste calendário pessoal, deverá olhar também para as florações que habitualmente estão associadas ao arranque da enxameação.

Por norma, verificamos que nas semanas anteriores à enxameção a entrada de pólen nas colmeias é intensa, que um fluxo de néctar, ainda que relativamente lento está a decorrer, que as temperaturas sobem, com as máximas a tocar frequentemente os 20ºC — 22ºC e as mínimas não descem abaixo dos 12ºC—15ºC. Estamos num contexto de relativa abundância de recursos e as abelhas andam felizes.

Nestas condições, a rainha, intensamente alimentada pelas suas aias, aumenta gradualmente a sua postura e acaba por atingir o pico, que mantém por alguns dias, após os quais diminui gradualmente o ritmo de postura. As 2 a 3 semanas após este pico são semanas que enchem de alegria todos os apicultores, que se apercebem do bom ritmo a que as suas colónias crescem. Mas, fora do seu olhar, está a germinar um fenómeno com uma importância crítica na vida daquela colónia: a predisposição para se reproduzir através da enxameação. Analisemos com algum detalhe este momento.

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Fig. 1 — Quadro típico de criação operculada numa época em que a rainha atingiu o seu pico de postura

Lembremo-nos que a rainha atingiu o seu pico de postura, e nas 2 a 3 semanas seguintes vão nascer muitas abelhas novas. O pico de nascimento destas abelhas coincide com um momento em que a rainha já abrandou o seu ritmo de postura. Em quadros onde 2 ou 3 semanas antes encontrávamos postura de uma ponta à outra, encontramos agora áreas ocupadas com pólen, mel e menos criação. Neste momento, o número de abelhas amas disponíveis é muito grande, assim como é grande a sua vontade/instinto de alimentar as larvas. Para além das abelhas amas, as abelhas cerieiras anseiam por construir novos favos e darem bom uso às suas glândulas secretoras de cera. Não tendo favos para construir aplicam-se a fazer pontes de cera entre os quadros ou entre os topos dos quadros e a prancheta, enfim, enchem de cera qualquer espaço apetecível. Por outras palavras estas abelhas (amas e cerieiras) encontram-se desempregadas. O seu potencial produtivo excede em larga medida as exigências da colónia. A colónia está em desequilíbrio. Para agudizar mais as coisas, este período costuma coincidir com a época em que as abelhas campeiras/forrageiras, vindas do exterior, trazem néctar e pólen fresco em quantidade. “Uummhh… há boas condições lá fora”, deverão pensar estas entediadas abelhas amas e cerieiras.

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Fig. 2 — Quadro com grandes áreas ocupadas por mel e pólen e com uma pequena área central disponível para a postura da rainha

Instintivamente as abelhas parecem compreender que este desequilíbrio pode ser resolvido com a cisão do enxame. A pulsão para a enxameação e colonização de um novo espaço está criado e é muito difícil de travar. Quase tanto como parar um comboio em andamento…