“Desde 2006, as perdas de inverno de colónias de abelhas maneadas nos Estados Unidos apresentaram uma taxa média de 28,7%, aproximadamente o dobro da taxa histórica de 15,0%. Estas perdas elevadas levantaram preocupações de que as cadeias agrícolas e de abastecimento alimentar sofreriam transtornos à medida que os serviços de polinização se tornassem mais onerosos e menos disponíveis. Apesar das maiores taxas de perdas de inverno, os números de colónias de abelhas dos EUA permaneceram estáveis ou até aumentaram desde 1996. Verifica-se que as taxas de mortalidade não apresentam uma correlação positiva com as evoluções anuais no número de colónias americanas, mas estão positivamente correlacionadas com a taxa de adições de novas colónias. […]
Se recuarmos ao século XX muitos estudos relatam um declínio do número de colónias maneadas de um topo histórico de 5,9 milhões em 1946, para o nível de 2,8 milhões em 2016 (Walsh, 2013; USDA-NASS, 2017a).
Apesar do foco nos problemas recentes de saúde das abelhas, a maior parte deste declínio ocorreu em 1982, antes do ácaro Varroa e dos vários vírus que ele propagaram quando chegaram aos Estados Unidos.
A queda do número de colónia maneadas no período anterior à entrada da varroa provavelmente decorre de mudanças no mercado de mel como adoçante e da maior disponibilidade de mel importado (Muth et al., 2003).”
fonte: https://www.ers.usda.gov/webdocs/publications/88117/err-246.pdf?v=0
Algumas notas:
Nota 1: os nossos colegas norte-americanos separam bem estes dois fenómenos: mortalidade de colónias de abelhas e declínio no número de colónias de abelhas. E verificam que estes dois fenómenos não estão correlacionados. Apesar de uma taxa de mortalidade anormalmente alta na última década, não se assiste ao declínio no número de colónias de abelhas. A razão parece estar na forte motivação que os apicultores têm para repor ou até aumentar, ano após ano, com novos efectivos as perdas ocorridas ao longo do ano, em especial as ocorridas durante a invernagem.
Nota 2: as estatísticas da realidade norte-americana mostram que o declínio no número de colónias maneadas aconteceu na década de 80, antes da entrada do varroa nos EUA, ocorrido em meados da década de 90. O declínio da década de 80 está provavelmente associado às mudanças no mercado do mel, nomeadamente a concorrência dos adoçantes, e maior disponibilidade de mel importado.
Nota 3: parece-me legítimo concluir que o declínio de colónias nos EUA, da década de 40 do século XX até à primeira década do século XXI, teve por base aspectos de ordem económica e de rentabilidade do sector.
Algumas questões:
- Em Portugal os números oficiais indicam um incremento no número de colónias substancial na última década, tendo atingido um pico histórico nos dois últimos anos. Será este aumento real, ou a falta de inspecção das autoridades aos apiários tem permitido declarações de existências inflacionadas?
- Tem-se verificado no sector uma crescente profissionalização. O sector profissional em Portugal detém um pouco mais de metade do efectivo apícola, contudo o número de apicultores profissionais não ultrapassa os 10% do número total de apicultores. A profissionalização crescente do sector traz novas oportunidades mas também riscos novos. A profissionalização crescente se é desejável deixa no entanto o sector mais expostos às dinâmicas económicas do mercado do mel, como a concorrência de outros adoçantes e a maior disponibilidade de mel importado, muito dele com preços impossíveis de concorrer. Será que o futuro que se advinha será suficientemente motivante para que uma boa parte dos apicultores profissionais, que detêm mais de 50% do efectivo nacional, continuem a manter ou até aumentar o número do seu efectivo apícola?
- Nos EUA, na última década não se tem assistido a um declínio do número de colónias de abelhas. Esta realidade só se consegue compreender completamente se analisarmos os aspectos económicos envolventes. Mais de metade das colónias de abelhas nos EUA são deslocadas para os amendoais californianos para prestarem serviços de polinização. Estes serviços, que duram apenas algumas semanas, rendem aos apicultores profissionais ou semi-profissionais um rendimento que lhes permite pagar as suas despesas anuais com a actividade. Mas o ano não está terminado, muito longe disso. Terminado este serviço nos amendoais californianos a grande maioria dos apicultores deslocam as suas colmeias para outros estados para a produção de mel, para a produção de núcleos e pacotes de abelhas, ou para outros serviços de polinização. Todos os apicultores norte-americanos que prestam estes serviços de polinização têm uma boa rentabilidade e sobretudo têm segurança e uma perspectiva de futuro tranquilizadora — sabem que no ano seguinte haverá um novo serviço de polinização a prestar e justamente pago — que os anima e motiva a manter o seu efectivo de colónias estável, ou até a aumentá-lo um pouco mais. Em Portugal as perspectivas de futuro são animadoras, previsíveis e tranquilizadoras para quem vive das abelhas? Será carregar demais no botão do pessimismo se referir que não? Se quero conhecer o futuro devo olhar para o passado. O que vejo olhando para trás: velutina a espalhar-se de forma rápida e descontrolada por todo o país; condições climatéricas cada vez mais duras e imprevisíveis; mercado do mel desregulado e artificialmente manipulado, impróprio para cardíacos; custos de produção cada vez mais elevados; sector sem apoios sérios por parte do estado; normas e leis desajustadas da realidade; fronteiras escancaradas à transumância desregrada dos vizinhos do lado; …
E fico-me por aqui porque o post já vai longo e tenho que ir tratar da “vidinha”.
Desejo a todos os leitores e amigos um Feliz Natal! Bem-hajam por se manterem do lado de lá, que muito me anima e motiva para a escrita do lado de cá.
Sempre pertinente Eduardo!!
Bela reflexão, um sentido crítico e uma reflexão estratégica que falta muitas vezes a quem está no terreno!!
Vou manter-me do lado de cá em 2019!!
Boas Festas!!
Um abraço Rui! Boas Festas!