Deixo em baixo o testemunho do Rui Tomé, jovem apicultor da zona de Viseu, que conheci através dos cursos Zoom que tenho ministrado. O texto é particularmente feliz pela conexão que faz entre os seus valores enquanto cidadão deste mundo, a opção de criar rainhas por métodos orgânicos, uma forma de sustentar e promover a diversidade conjugada com a preocupação e respeito pelas abelhas, seus ritmos naturais e sua conciliação com a manutenção do potencial produtivo. Um testemunho claro de que as abelhas possibilitam encontrar diversos tipos de satisfação e realização pessoal, por caminhos vários, com objectivos de natureza diversa.
“Após a frequência das sessões Zoom de formação em apicultura orientada pelo formador Eduardo Gomes, fiquei motivado para experimentar, na prática, uma técnica de criação de rainhas que me marcou bastante. Ao contrário dos métodos mais convencionais, baseados em translarve ou uso de cúpulas artificiais, esta abordagem foi toda construída sobre princípios orgânicos e naturais. A ideia era simples, mas poderosa: deixar que as próprias abelhas, dentro da colónia, decidissem quando e como criar uma nova rainha, com o mínimo de intervenção da minha parte.
Este método exigiu muito da minha capacidade de observação. Tive de estar atento aos sinais da colónia, entender os seus ritmos e criar as condições ideais para que o instinto de substituição ou enxameação fosse ativado. Organizei os quadros de forma estratégica e acompanhei de perto o surgimento das realeiras, tentando sempre respeitar o tempo das abelhas e evitar qualquer tipo de perturbação desnecessária. A verdade é que, ao longo do processo, fui percebendo como esta forma de trabalhar é mais harmoniosa e menos intrusiva — e isso fez-me ganhar ainda mais respeito pelo comportamento natural das abelhas.
Uma das coisas que mais me surpreendeu foi ver que, mesmo enquanto a colónia estava a formar uma nova rainha, o trabalho não parou. As campeiras continuaram a sair e a recolher néctar, e a colmeia manteve-se funcional. Ou seja, a produção de mel não foi prejudicada, como por vezes se pode temer quando se mexe na estrutura da colónia. Pelo contrário, percebi que é possível renovar a genética do enxame sem travar a sua dinâmica produtiva — basta agir com consciência e saber ler os momentos certos.
Para mim, esta experiência foi mais do que uma aprendizagem técnica. Fez-me refletir sobre o papel do apicultor: mais do que um gestor ou produtor, alguém que deve saber escutar o ritmo da natureza e intervir apenas quando necessário. Aprendi que criar rainhas por via orgânica não é apenas eficaz, mas também mais sustentável e coerente com uma visão de apicultura que privilegia o equilíbrio e o respeito pelo ecossistema.
Também me ajudou a desenvolver competências essenciais: paciência, atenção ao detalhe e capacidade de decisão baseada na observação, e não apenas na rotina. Ao confiar mais nas abelhas e menos nos atalhos técnicos, percebi que elas sabem muito bem o que estão a fazer — só precisamos de lhes dar espaço e condições para isso.
Outro ponto que levo comigo é a importância da diversidade genética. Ao deixar que as rainhas sejam criadas dentro das próprias colónias, estamos a preservar linhagens bem adaptadas ao ambiente local, o que pode fazer toda a diferença num tempo em que as abelhas enfrentam tantos desafios, desde doenças até mudanças no clima.
Em resumo, esta prática de criação orgânica de rainhas mostrou-me que é possível — e desejável — alinhar técnica, produtividade e respeito pela natureza. Sinto que esta abordagem me aproxima daquilo que quero ser como apicultor: alguém atento, responsável e comprometido com a sustentabilidade das abelhas e do seu habitat.
No final das contas fiz 14 enxames apenas com este método e neste momento estou com uma taxa de fecundação de 100% e com posturas de ponta a ponta nos quadros.“






Por uma apicultura inclusiva, para todos os apicultores, com foco na diversidade de objectivos e finalidades.
Parabéns pelo trabalho e bom ano apícola Rui!