uma abordagem mais “natural” para fazer núcleos de fecundação

Quando uma colónia produz a sua rainha após a enxameação ou o apicultor faz a divisão de uma colónia, há uma probabilidade elevada (superior a 90%) de produzir uma nova rainha com uma vida reprodutiva normal, à sua frente. Este elevado nível de sucesso contrasta com o resultado obtido com rainhas fecundadas nos pequenos nucléolos ou mini-núcleos, onde a melhor taxa de sucesso que podemos esperar é de 2 em cada 3 (66%), e muitas vezes pode ser substancialmente mais baixa.

Qual a razão da diferença? Em parte é uma questão de escala, porque num nucléolo temos apenas 200-300 abelhas para dar apoio a uma rainha virgem. Mesmo os mais pequenos enxames secundários, mais conhecidos como garfos, são muito maiores do que isto. Portanto os mini-núcleos colocam as rainhas virgens e as abelhas numa situação excessivamente artificial, para a qual não estão naturalmente adaptadas.

Se o objectivo é partir uma colónia e fazer dela duas, para aumentar o efectivo a tarefa fica concluída assim que a divisão é feita. A colónia mãe (aquela que mantém a velha rainha) e a colónia filha (a que está criando as suas realeiras de emergência) pode permanecer no mesmo apiário, quer em assentos separados ou com a colónia filha em cima da colónia mãe usando um prancheta especial de divisão. Tudo o que o apicultor precisa de fazer é sentar-se e esperar e, após 4-5 semanas, verificar se uma nova rainha está fazendo postura na colónia filha. A colónia mãe que doou abelhas e criação e é improvável que enxameie. Por outro lado, o excedente de realeiras de emergência produzidas pela divisão podem ser utilizados para criar mais alguns núcleos com abelhas, quadros e criação retirados de outras colmeias no apiário. Cerca de 90% destas rainhas são sobreviventes de longo prazo (sobrevivem pelo menos até o final da temporada seguinte).

Os aspectos-chave envolvidos na concretização deste processo de criação e fecundação de rainhas podem ser resumidas como se segue :

 

  1. Os núcleos devem ser preenchidos com as abelhas da mesma colónia que fez as realeiras;
  1. Cada núcleo deve ser fornecido pelo menos com 2 células reais e de preferência mais (não há nenhum limite);
  1. Os quadros com realeiras devem ser retirados logo que possível após a operculação (cerca do 9º dia);
  1. As entradas das caixas de núcleos devem ser fechadas e o núcleo deve ser transferido para um apiário de acasalamento, situado a mais de 3-4 Km de distância.

Achamos que desta maneira a criação de núcleos de fecundação funciona melhor porque é mais “natural” , ou seja assemelha-se muito ao que acontece na natureza. A explicação é a seguinte :

  • As orientações 1 e 2 estão logicamente relacionados e são destinadas a garantir que as rainhas em desenvolvimento são cuidadas por abelhas operárias com quem estão geneticamente relacionados (ponto 1). As abelhas estão conscientes da relação genética que têm com os suas companheiras de ninho (se são irmãs completas ou apenas meia-irmãs — dependendo do zangão que as gerou). Estas relações fazem parte integrante da organização colónia, embora eles não sejam completamente compreendidas no presente momento. Isto contrasta com o método tradicional de fazer núcleos, onde uma única célula real é geralmente dado a um grupo de abelhas não relacionadas. A provisão de um núcleo com várias realeiras tem a vantagem de permitir que as abelhas podem fazer “o que acontece naturalmente”, isto é, façam as suas escolhas (ponto 2). Nós (meros seres humanos) não entendemos que critérios elas estão usando, mas eles (as abelhas) claramente fazem-no e a melhor estratégia é não interferir.
  • As orientações 3 e 4 também estão logicamente relacionados e visam aumentar o sucesso do acasalamento das rainha virgens. Fazendo-se os núcleos assim que as células rainha foram operculados (ponto 3) aumentamos o número de dias antes de uma nova rainha nascer e estar pronta para realizar os vôos de acasalamento. O bloqueio de entrada evita a perda de abelhas aquando da transferência para outro apiário (ponto 4) e garante que elas ficam no núcleo e não vão voar de volta para casa. Estudos recentes mostram que rainhas virgens não saem sozinhas nos seus vôos de acasalamento, mas são acompanhados por um número de abelhas operárias maduras que as guiam para as áreas de congregação dos zãngãos e asseguraram seu retorno seguro. Para fazer bem esta tarefa um núcleo deve ter abundância de abelhas forrageiras que tenham tido tempo suficiente para conhecer o seu novo território. Se núcleos são feitos no dia 9 e são transferidos imediatamente para o apiário de acasalamento deve haver um mínimo de 7 dias antes de uma nova rainha estar pronta para acasalar (e provavelmente mais) e as abelhas forrageiras estarem capacitadas para desempenhar esta função tão importante. A falta de abelhas pode ser uma das razões para os mini-núcleos terem um menor nível de sucesso no acasalamento das suas rainhas do que as colónias maiores. Uma desvantagem adicional pode ser que as rainhas mal apoiadas são obrigados a acasalar mais perto de casa, resultando num menor acesso à diversidade genética dos zângãos.

Consciente que alguns aspectos podem e devem ser discutidos e bem reflectidos por todos nós, importa que a nossa prática seja conduzida cada vez mais respeitando o “modo natural de fazer”das abelhas. Pergunto se com um excessivo artificialismo nos procedimentos por nós escolhidos não estaremos a ganhar a curto prazo para desperdiçar a longo prazo, ou como diz o nosso povo não estaremos a poupar no farelo e a desperdiçar na farinha?

8 comentários em “uma abordagem mais “natural” para fazer núcleos de fecundação”

  1. Mais uma dúvida (peço demais e ajudo pouco…)
    Como faz os seus desdobramentos (não me recordo se já explicou a técnica em posts anteriores):
    – a “colmeia filha” fica no lugar da “colmeia mãe” e esta ultima vai para um apiário a mais de 2kms?
    ou
    – tira a “colmeia filha” para um apiário a mais de 2kms?
    ou
    – simplesmente mantém a “colmeia mãe” no local original e a “colmeia filha” fica no mesmo apiário mas mais afastada da “colmeia mãe”?

    Obrigado pela ajuda

    1. Esteja à vontade! Em regra utilizo os dois primeiros procedimentos. A última opção utilizo-a muito mais esporadicamente, nomeadamente para introduzir rainhas virgens.

  2. Olá Eduardo,
    Sem dúvida que em termos práticos essa opção é bastante viável. No entanto não permite a escala que muitas vezes necessitamos, nem permite que se use filhas de determinada matriarca em quantidade.
    Ainda só tenho os meus resultados parcialmente conseguidos, mas quero muito chegar a ter cada apiário constituido por raínhas todas elas irmãs e da mesma idade, assim sabendo quem é a mãe que originou todo aquele apiário e tendo condição de influenciar decisivamente a genética circundante.

    1. Boa tarde, Afonso!
      Sim é uma opção prática, viável e que responde às necessidades de noventa e tal por cento dos apicultores, e não só em Portugal: os apicultores de pequena dimensão e os apicultores de dimensão média, como eu próprio. Tenho mais de 600 colmeias e tem sido suficiente a esta escala, para mim, com os meus procedimentos, com os meus objectivos. Não substituo massivamente e anualmente as minhas rainhas. Considero isso um tremendo disparate, à luz do que vou observando nas minhas colmeias. Conto um dia destes escrever sobre este e outros “modismos” importados, muitos deles desfasados da nossa realidade e das nossas necessidades.

      A propósito da selecção de uma matriarca para ser a mãe da grande maioria das minha rainhas pergunto: se 80%-90% das minhas rainhas têm uma genética que me agrada, por que razão devo “afunilar” o “pool” genético? Com que fundamento o faria? Se desejasse ser um apicultor com uma imagem social moderna, avançada até poderia fazê-lo. Como desejo “apenas” ser um apicultor prático, simples e com sucesso não vejo o fundamento. A este respeito e para terminar existe um grande consenso ente os entendidos/especialistas: diversidade é saúde, quer na nossa espécie quer nas abelhas.

      Se conseguirás ou não influenciar a genética circundante tenho as minhas dúvidas. Temo que será a genética circundante a influenciar a genética das tuas abelhas. Mas isso é um problema teu e não meu. Uma certeza tenho no entanto: tenho muita sorte em não te ter como vizinho. Para que se entenda bem, tenho muita sorte em que o “lixo” genético, porque mal-adaptado, não filtrado/selecionado pelo ambiente, e outro “lixo” (doenças e parasitas importados) que poderá estar presente nos teu apiários, não façam parte do ambiente circundante dos meus apiários.

      Afonso, desejando que consigas o que pretendes, o teu caminho é muito diferente do meu. Julgo que para ser bem sucedido na apicultura não é necessário importar nem abelhas nem os modelos norte-americanos/canadianos. Mais julgo que é até contraproducente. Mais um ano em que te ouço lamentar da tua má sorte com o tempo. Sempre o tempo, não é? A mim já me ouviste algum lamento? Porque será que não me lamento do tempo, do S. Pedro? E eu trabalho com as nossas negritas, esta raça de abelhas que tanto desprezas. Cada vez estou mais convencido de estar aqui uma das razões para não me lamentar: as abelhas negras e eu fazemos uma boa equipa. O ano passado tive muito mel, ano terrível para a grande maioria dos apicultores, este ano está tudo a encaminhar-se muito bem para os meus lados, e para muitos de nós ao que me parece. Sejamos pacientes com/como a natureza, e saibamos estar bem enquadrados nela, respeitá-la e ter a atenção necessária para com ela aprender.

      1. Boa noite Eduardo!

        Gostei de me rever nestas suas palavras de resposta ao comentário do Afonso!

        No entanto existe apenas um ponto que não me revejo, na satisfação com o pool genético das abelhas que possuo. Várias vezes me sento tentado a experimentar novas raças de abelhas que possuem menor tendência de enxameação e porquê? Porque todos os anos (e tenho abelhas desde 2004) me vejo a braços com a enxameação desenfreada que me obriga a muito estudo, experimentação de técnicas de prevenção de enxameação e sobretudo muito trabalho extra para que consiga obter algum do precioso mel que elas fabricam.
        A minha zona é muito forte em rosmaninho e a floração de Inverno é bastante boa pelo que no início da Primavera o instinto da enxameação, aliado a décadas de más práticas dos apicultores da minha zona, está bastante “assanhado”, chegando ao cúmulo de não encherem um ninho reversível e já estarem a tentar enxamear. Tudo o que consegui nestes anos todos foi ir seleccionando o mais possível as boas colónias e ir multiplicando as mesmas não agindo directamente na criação das rainhas e selecção de zangãos. Resultados práticos desta minha acção foi que consegui ver um atraso mais ou menos de uma a duas semanas no instinto da enxameação o que já me permite ter umas colheitas razoáveis e colónias ja bastante desenvolvidas quando tentam enxamear. E começo agora a ter poucas colónias que pelo segundo ano consecutivo não tentaram enxamear (apenas duas no total de 70 colónias).

        Posto isto e apesar de não o conhecer pessoalmente (com pena minha) gostaria de lhe colocar apenas uma questão se mo permitir. A satisfação que tem com o pool genético das suas colmeias prende-se com a selecção que faz na multiplicação de colónias ou inicialmente adquiriu algumas rainhas/enxames que lhe permitiram manter as características que deseja na apicultura que pratica?

        Abraços
        Hugo

  3. Olá Pessoal.
    Gostava de dar uma palavra ao Hugo, espero que não leve a mal. Eu sou da zona litoral e este ano a enxameação nas minhas colmeias foi zero.
    Mais uma prova que, as nossas negras, não pedem favor a nenhuma outra raça, e recomendo.
    Como já verificastes no teus apiários, esta melhoria esta num bom maneio, e um pouco de selecção.
    Em relação ao nosso amigo Afonso, se fizeres o maneio que ele faz, tenho a firme certeza que a nossa abelha negra também não enxamea, A diferença estará na produção de mel, Enquanto ele se
    queixa do tempo, as nossas estão carregadas de meias alças.
    Aqui na zona, e altura de começar a cresta, eu já comecei a minha, tenho reparado que este ano as alças não tem criação e os quadros estão ful de mel.
    tenho meias alças a dar a cima dos 12 kg de mel, o que é maravilhoso.
    Um abraço.

  4. Bom dia Bernardino!

    É com bastante apreço que registo a suas palavras e de modo algum as poderei levar a mal!

    Sem querer ferir sentimentos, eu fui um dos primeiros a “ensinar” um pouco do que sei ao Afonso. Contudo os nossos caminhos na Apicultura divergiram e ainda bem que o Afonso se encontra num patamar muito acima do meu seguindo o caminho que escolheu e agora é ele que me tem mais a ensinar!!!

    Em termos de maneio nas colmeias, o meu maneio não é muito diferente do do Afonso, só que eu tenho mais em vista a produção de mel e não a multiplicação de enxames. A minha luta nestes anos prende-se com a prevenção de enxameação e já tentei de tudo excepto o shockswarm. Aplicar sobreninhos, demariar uma colmeia, matar rainhas que tentam enxamear cedo, desdobrar cedo, etc, tornou-se uma constante na minha apicultura.
    Do são Pedro eu não me atrevo a queixar-me pois as colmeias que não tentaram enxamear vão agora a encher a terceira meia alça e se o maio vier chuvoso, a coisa ainda promete. Gosto de trabalhar com a nossa abelha porque aprecio muitas das características delas, factor que talvez me tem levado a adiar constantemente a aquisição de outras raças.
    Mas com certeza o Bernardino conhece bem aquele sentimento de descanso após esgotar as hipóteses todas tendo em vista a solução de um problema e encontrar a que melhor se adapta… É este tipo de sentimento que ainda ando à procura, daí o meu “desabafo” quando digo que ainda não estou satisfeito com o pool genético das minhas abelhas. Mas entretanto lá continuo na minha luta e ando contente na mesma! Apicultura é uma paixão!!
    Abraços
    e mais uma vez obrigado pelas suas palavras!
    Hugo

    1. Hugo obrigado pela tua questão e um obrigado ao Bernardino pelo seu testemunho.

      Hugo vou aproveitar a tua indagação e estes próximos dias, de algum descanso, para articular algumas ideias e descrever alguma das acções que tenho levado a cabo este ano para prevenir e controlar a enxameação e que depois postarei.

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