resíduos químicos em alimentos e risco de cancro: uma análise crítica

“Introdução

Possíveis riscos de cancro decorrentes de resíduos de pesticidas nos alimentos têm sido muito discutidos e debatidos com afinco na literatura científica, na imprensa popular, na arena política e nos tribunais. Pesquisas de opinião do consumidor indicam que grande parte do público dos EUA acredita que os resíduos de pesticidas nos alimentos são um sério risco de cancro (Opinion Research Corporation, 1990). Em contraste, estudos epidemiológicos indicam que os principais fatores de risco de cancro são o fumo do tabaco, desequilíbrios alimentares, hormonas endógenas e inflamação (por exemplo, infecções crónicas). Outros fatores importantes incluem exposição intensa ao sol, falta de atividade física e consumo excessivo de álcool (Ames et al., 1995). […]

Químicos naturais e sintéticos na comida e sua relação com o cancro

A atual política regulatória para reduzir os riscos de cancro humano baseia-se na ideia de que substâncias químicas que induzem tumores em bioensaios de cancro em roedores (ratinhos brancos de laboratório, sobretudo) são potenciais carcinógenos em humanos. Os produtos químicos selecionados para testes em roedores, no entanto, são principalmente sintéticos (Gold et al., 1997a, b, c, 1998, 1999). O enorme cenário de exposição humana a substâncias químicas naturais não foi sistematicamente examinado. Isso levou a um desequilíbrio nos dados e na percepção sobre possíveis riscos carcinogénicos para os seres humanos devido a exposições químicas. O processo regulatório não leva em conta (1) que as substâncias químicas naturais são maior fatia do bolo de substâncias químicas às quais os seres humanos estão expostos; (2) que a toxicologia de toxinas sintéticas e naturais não é fundamentalmente diferente; (3) que cerca de metade dos produtos químicos testados, sejam naturais ou sintéticos, são cancerígenos quando testados usando protocolos experimentais atuais; (4) que o teste de carcinogenicidade em doses quase tóxicas em roedores não fornece informações suficientemente fidedignas para prever o número de cancro humanos que podem ocorrer com a exposição a doses baixas; e (5) que a elevada frequência do teste na dose máxima tolerada (DMT) pode causar morte celular crónica e consequente substituição celular (um fator de risco para cancro que pode ser limitado a altas doses) e que ignorar esse efeito na avaliação de risco pode exagerar a percepção dos riscos.

Estimamos que cerca de 99,9% das substâncias químicas que os seres humanos ingerem ocorrem naturalmente. As quantidades de resíduos de pesticidas sintéticos nos alimentos vegetais são baixas em comparação com a quantidade de pesticidas naturais produzidos pelas próprias plantas (Ames et al., 1990a, b; Gold et al., 1997a). De todos os pesticidas dietéticos que os americanos comem, 99,99% são naturais: eles são os produtos químicos produzidos pelas plantas para se defenderem contra fungos, insetos e outros predadores animais. Cada planta produz uma matriz diferente de tais produtos químicos (Ames et al., 1990a, b).
[…] Apesar dessa exposição enormemente maior a substâncias químicas naturais, entre os produtos químicos testados em bioensaios a longo prazo, 77% são sintéticos (1050/1372) (Gold e Zeiger, 1997; Gold et al., 1999).

Concentrações de pesticidas naturais em plantas são geralmente encontradas em partes por mil ou milhões, em vez de partes por bilião, que é a concentração usual de resíduos de pesticidas sintéticos. […] É provável que quase todas as frutas e verduras do supermercado contenham químicos naturais que são cancerígenos em roedores (os ratinhos brancos de laboratório) . Embora apenas uma pequena proporção de químicos naturais tenha sido testada quanto à carcinogenicidade, 37 dos 71 que foram testados são carcinógenos em roedores e estão presentes nos alimentos comuns.”

Fonte: https://toxnet.nlm.nih.gov/cpdb/pdfs/handbook.pesticide.toxicology.pdf

Nota : Como em quase tudo, senão em tudo mesmo, também esta dimensão da realidade não é a preto e branco. Restringir a questão e percepção dos riscos carcinogénicos aos pesticidas químicos, naturais ou sintéticos, presentes nos alimentos que consumimos é simplista e deslocado. Em simultâneo ignorar que os produtos alimentares de origem vegetal que nos chegam à mesa estão repletos de pesticidas/químicos naturais com potencial carcinogénico é psicologicamente reconfortante. Lamentavelmente aquele simplismo e este conforto não coincidem com a realidade.

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