resíduos de metabolitos de amitraz no mel e uma pergunta

O LMR (Limite Máximo de Resíduos)

A legislação em vigor na Europa define  200µg/kg  como o LMR  para o amitraz e seus metabolitos no mel. Notamos que os especialistas estabelecem os LMR dos resíduos nos alimentos com limites abaixo daqueles que poderão representar um risco para a saúde. Esta é uma medida de precaução que muito estimamos e compreendemos.

O estudo

Neste estudo independente (http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0067007) recentemente publicado, os investigadores decidiram baixar os limite de detecção (LOD) e limite de quantificação (LOQ) para testarem os resíduos de amitraz e seus metabolitos no mel de colmeias tratadas com Apivar. De uma forma simples “apertaram a malha” no seu estudo.

Para os metabolitos do amitraz (compostos que resultam da degradação natural do amitraz) os investigadores encontraram as seguintes quantidades  (ver Tabela 3; Amitraz II):

  • valor máximo: 116,1 ng* / gr;
  • valor médio: 10,21 ng / gr;
  • mediana: 2,30 ng / gr.

*Nota: ng significa nanograma

Convertendo os valores

  • 1 gr= 1 000 000 000 ng;
  • 1 micrograma [µg] = 1 000 ng

Voltando aos valores encontrados pelo estudo e convertendo para as unidades µg/Kg temos:

  1. valor máximo: 0,1161 µg / gr = 116,1 µg/Kg
  2. valor médio: 0,01021 µg / gr = 10,21 µg/Kg
  3. mediana: 0,0023µg / gr = 2,3 µg/Kg

A interpretação dos valores

Os consumidores que consumissem a amostra de mel com a quantidade máxima de resíduos (1) teriam que consumir mais de 1,5 kg de mel por dia para se aproximar do LMR definido.

No entanto, se fizermos os cálculos para os valores médios (2), esses mesmos consumidores teriam que consumir mais de 18 kg de mel por dia para se aproximar do LMR definido.

Em metade das amostras recolhidas (3), o consumo teria que ser um pouco maior do que 80 kg de mel por dia para se aproximar do LMR definido. A mediana deste estudo diz-nos que metade das amostras recolhidas estavam abaixo de 2,30ng/gr.

A pergunta

Que análises fizeram, que cálculos efectuaram, que estudos consultaram todos aqueles que de boca cheia, peito inchado e do alto do púlpito da sua sapiência, clamam que não tratam as abelhas com Apivar para não contaminarem o mel com tóxicos/químicos prejudiciais à saúde humana?

14 comentários em “resíduos de metabolitos de amitraz no mel e uma pergunta”

  1. Boa tarde Eduardo.

    “Os consumidores que consumissem a amostra de mel com a quantidade máxima de resíduos (1) teriam que consumir mais de 1,5 kg de mel por dia para se aproximar do LMR definido.”

    É preciso ter em atenção alguns considerandos…

    Certíssimo desde que o nosso fígado conseguisse metabolizar e eliminar os resíduos de 1-25-dimetilanilina ( e outros). Consegue ? Essa é a questão. Ao não conseguir acontece aquilo a que se chama “efeito cumulativo” – 1 mg hoje + 1 mg amanhã + 1 mg depois de amanhã + etc. + etc… 100 g de mel/ dia com esses níveis de resíduos , chegamos ao fim de um mês bem além do famoso LMR, que no fundo é um limite meramente convencionado…

    Está tudo muito “armadilhado” e ainda por cima não estudos , ou são muito poucos os feitos em relação com a associação de tóxicos, que embora bem aquém dos LMR e aparentemente isoladamente “inócuos”, são altamente tóxicos quando associados mesmo em doses muito baixas (potenciação de toxicidade).

    Abraço,

    Francisco Frazão.

    1. Viva Francisco Frazão!
      Agradeço o seu comentário.
      Lamentavelmente o seu comentário não apresenta nenhuma evidência/estudo que sustente o que refere. Se desejar fazê-lo fique à vontade. A Agência Europeia do Medicamento, em publicações que estão ao nosso dispor, assim as desejemos consultar, dizem claramente o contrário daquilo que o Francisco afirma. Acrescento que ainda recentemente a European Food Safety Authority (EFSA) voltou confirmar o LMR do amitraz no mel. Não acredito que esta gente tão especializada não conheça o chamado “efeito cumulativo”. Ainda bem que não é como o Francisco diz que é, caso contrário eu já não estaria aqui a escrever-lhe. Todos os dias como cerca de duas colheres de sopa do mel que produzo, ao longo dos últimos nove anos.

      Vai-me perdoar, mas compreenderá que por enquanto vou continuar a guiar-me por aquilo que está publicado pela Agência Europeia do Medicamento. Abraço.

      1. Eduardo:

        A fixação de LMR, seja feita por quem for, baseia-se, infelizmente , em regra em meras suposições, com base em alguma ( por vezes escassa ) experimentação animal, geralmente ratinhos porque têm algumas (e só algumas ) vias metabólicas comuns com o ser humano. Mas… muito longe de ser a mesma coisa. Porquê ? Pela simples razão que para que se possa chegar a conclusões precisas sobre efeitos cumulativos e acumulação de resíduos, uma vez que estamos a lidar com doses muito baixas, quase no limiar de detecção, seriam necessários estudos longitudinais em voluntários humanos ( e existem) mas , e aqui reside o problema, ao longo de muitos anos (por vezes décadas, e aqui não existem…).
        É a única maneira de manter as mesmas vias metabólicas.
        Não há outra.
        Quantos medicamentos não foram já retirados do mercado, ao fim de vinte ou trinta anos, por se concluir por uma relação benefício / risco negativa ? Ou mesmo um grave efeito pernicioso ? E a sua introdução no mercado obedeceu às tais normas de “indivíduos muito informados e especializados”, baseada “em muitos estudos técnico-científicos”… e até a experimentação humana.
        Veja que mesmo hoje em dia se discute muito a relação risco / benefício das estatinas… , é exactamente como atirar uma moeda ao ar.
        Ainda quanto à fixação de LMR… e da suposta “ciência” que os sustenta, tem ideia de como foram fixados na Alemanha em 10 ppm / dia, o LMR para os alcalóides da pirrolizidina ?
        Ainda sobre o amitraz. Na Europa: intervalo de segurança – 0 dias. Mas nos EUA tem intervalo de segurança . Porquê ? Não se baseiam nos mesmos estudos ?
        Repare que eu não defendo que não há estudos e que os limites são fixados completamente “à balda”, mas daqui até haver uma completa garantia de segurança, vai uma grande diferença.
        Abraço,

        Francisco Frazão.

        1. Francisco
          Aceito a sua visão mas não a partilho.
          Não partilho que os LMR são em regra meras suposições. Os ratos brancos são utilizados recorrentemente nos ensaios preliminares dos mais variados medicamentos. As inferências e extrapolações feitas para os humanos em regra são confiáveis. Se assim não fosse há muito que não se utilizariam os ratinhos. Acerca dos estudos longitudinais também não os conheço, nem para este caso nem para a grande imensidão dos produtos de consumo. Contudo com tanta gente a consumir mel de colmeias tratadas com Apivar e ao longo de tantos anos não conheço caso algum de intoxicação ou evidência que relacione efeitos sub-letais de que tipo seja associados ao consumo de mel. Acerca dos erros cometidos com certos medicamentos, eles infelizmente existem. Contudo muitos mais medicamentos foram e são bem sucedidos. Por a ciência errar algumas vezes não vamos deixar de a utilizar. Os estudos nos EUA para a homologação do Apivar foram diferentes. O Apivar está homologado na Europa há mais tempo que nos EUA. Já referi nas referências bibliográficas o estudo principal utilizado para a homologação do Apivar nos EUA.

          Tenho uma questão a terminar: o que lhe dá uma completa garantia de segurança? Confia no oxigénio que respiramos para viver a cada momento mas que nos trai oxidando-nos as células e envelhecendo-as? Começamos a morrer a partir do momento em que nascemos, essa é a única coisa garantida a 100% que conheço. Um abraço Francisco.

          Nota: voltarei a publicar um comentário acerca deste assunto quando e só ele trouxer informação pertinente, isto é, sustentada em evidências fortes e credíveis acerca dos efeitos, sejam de que tipo for, dos acaricidas utilizados, sejam eles quais forem, na saúde humana. Obrigado pela vossa compreensão.

          1. http://www.cdpr.ca.gov/docs/risk/rcd/amitraz.pdf

            De notar na conclusão :
            Several occupational activities associated with the agricultural use of amitraz, and one
            population sub-group potentially exposed to amitraz through the diet, have margins of
            safety less then the values conventionally considered to be protective of human health.

            Como eu já tinha referido: tudo está armadilhado, logo não há garantias de segurança.

            Abraço,

            Francisco Frazão.

  2. Eduardo:

    Quando falo em estudos, é obvio que não me refiro a produtos de consumo mas sim a medicamentos. E há muitos estudos longitudinais nesta área, alguns a 10 e outros a 20 anos, alguns por vezes interrompidos porque os resultados entretanto obtidos, não justificavam a continuação do estudo, outros em curso .
    É preciso não esquecer que o assunto central não é o mel mas sim um medicamento – o amitraz e os seus produtos de degradação, que podem encontrar-se no mel.
    Os ratinhos usam-se não tanto por serem fiáveis as comparações (no ratinho, todos os citostáticos usados no cancro são curativos; no ratinho os alcalóides da pirrolizidina são cancerígenos, no humano não…) , mas por se poderem obter facilmente, em quantidade e a baixo custo, terem algumas vias metabólicas semelhantes aos humanos, um tempo de vida curto , pelo que se podem avaliar efeitos em tempo útil e porque em quase todos os países do primeiro mundo estão interditos estudos preliminares em primatas.

    Abraço

    Francisco Frazão.

    1. Referi-me a produtos de consumo porque eu e os outros apicultores colocamos mel no mercado, não colocamos medicamentos. Qual é o produto de consumo de massa que é escrutinado com estudos longitudinais de 20 anos antes de ser colocado no mercado? Eu não conheço. Pergunto por que razão o mel deve ser a excepção?

      Os ratinhos utilizam-se primeiro porque os resultados são transferíveis na generalidade para os seres humanos, depois porque são animais com ciclo de vida curto o que interessa à investigação, depois porque são baratos, finalmente porque temos um especismo selectivo: os ratos merecem menos respeito que os primatas aos nossos olhos.

  3. Há mais de dois anos “brindaram-me” com este documento http://www.cdpr.ca.gov/docs/risk/rcd/amitraz.pdf que o Francisco apresenta em cima. Li as 70 pags., em inglês, com um conteúdo técnico que exige muita paciência e dedicação. Contudo li-o porque me foi dito que nele ia encontrar as razões para não tratar as colmeias com Apivar. Se bem me lembro este documento nem uma única vez faz menção ao Apivar, muito menos ao Apivar dentro de colmeias, menos ainda relacionou o Apivar colocado em colmeias com alegados efeitos nocivos na saúde dos consumidores. Julgo que na altura disse o seguinte: nada nos ajuda misturar a obra-prima-do mestre com a prima-do-mestre-d’obras. Um abraço.

  4. Francisco e restante leitores do blog, sobre esta questão agradeço uma vez mais que enviem documentos realmente dedicados e focados no assunto deste post. Obrigado uma vez mais pela vossa compreensão.

  5. Eu não disse que o mel deveria ser escrutinado. Disse que o amitraz deveria ser melhor escrutinado, como aliás são todos os medicamentos , mesmo os usados em veterinária. Ao colocar amitraz dentro de uma colmeia de onde vai retirar mel, vai criar uma situação de possibilidade de contacto da molécula com o mel, da mesma forma que acontece quando dá um medicamento a um porco. E os medicamentos usados em saúde animal são tão escrutinados como os humanos.

    Abraços

    Francisco Frazão.

  6. Começando pelo estudo americano que o Francisco apresentou: vejo novamente e depois de uma segunda análise das cerca de 70 páginas que não é um documento dedicado ao caso de mel. No entanto ao longo do mesmo há algumas considerações muito interessantes e que nos podem ser úteis nesta troca de argumentos. Na pg. 14 do dito documento refere-se um estudo experimental (duplamente cego, portanto dos mais fortes designs experimentais), em que um conjunto de indivíduos foi injectado com doses relativamente elevadas de amitraz (0.0625 mg/kg, 0.125 mg/kg). As conclusões são: não surgiram alterações no ECG; o sangue e urina não apresentaram sinais de terem sido afectados com base nas análises feitas; a resposta da pupila e a performance psicomotora não foram efectadas.

    Confrontando com a média anual de exposição ao amitraz na população dos EUA através do consumo de peras, leite, sementes de algodão, aves domésticas e mel, que é de 0.22 µg/kg/dia, facilmente chegamos à conclusão que os testes experimentais utilizarem doses muito superiores aquelas que o consumidor comum é exposto. Mais, na p . 39 refere-se outro estudo científico que ralata que 82% do amitraz é excretado na urina após 72 horas.

    Ainda nesse estudo (pgs. 67,68 e 69) uma breve referência é feita ao mel e aos seus níveis de tolerância que foram definidos pelas autoridades dos EUA: 1,0 ppm (isto é, 1 mg por Kg de peso do consumidor). De acordo com as recomendações deste estudo os consumidores (com uma média de 60Kg de peso) de mel não devem estar expostos a mais 60 mg/dia pelo consumo de mel (o estudo é de 1995). Quantos Kgs de mel por dia teria de consumir o consumidor se este mel apresentar menos de 6 µg/Kg de amitraz e seus metabolitos?

    Francisco o estudo referenciado no post é um exercício de escrutínio ao amitraz no mel e vem assegurar-nos que não há motivos para dar ouvidos aos alarmistas do costume. Pode ler outro aqui: um escrutínio realizado ao longo de 2 anos, 2014 e 2015, em vários lotes de mel não encontrou amitraz a um nível superior a 6 µg/kg (limite mínimo de detecção utilizado). Lembro que o LMR é 200µg/kg. fonte:http://bulletinepidemiologique.mag.anses.fr/sites/default/files/SSA10bfinal.pdf

    Se o Francisco tem evidências fortes que o LMR está mal estabelecido faça o favor de as apresentar. Se entende que é a única pessoa a olhar para esta questão de forma honesta e independente afirme-o sem receio e diga claramente e ousadamente que o comité europeu especializado de veterinários não passa de um grupo incompetentes e de vendidos aos interesses das farmacêuticas. Ao mesmo tempo apresente o número de internamentos/óbitos occorridos na UE por exposição aguda e/ou crónica a um execesso de amitraz nos alimentos, mel e outros. Só desta forma a sua acusação passará da classificação de delírio paranoide a assunto da maior gravidade a ter de ser entregue às autoridades judiciais. Vivemos num mundo cão mas também num estado de direito, em que é preciso provar muito bem as nossas afirmações, sobretudo quando difamam outros.

    Nota: Francisco se tiver vontade de ler mais documentos que tranquilizem a sua inquietude pode solicitá-los que tenho mais uma mão cheia deles. Abraço.

  7. “A fixação de LMR, seja feita por quem for, baseia-se, infelizmente , em regra em meras suposições” disse o Francisco. Felizmente e naturalmente em assuntos desta seriedade como os resíduos em produtos alimentares nada é feito com base em meras suposições. O ADI (Acceptable daily intake) está na base da definição dos LMR. Acerca da definição de ADI está escrito: “An ADI value is based on current research, with long-term studies on animals and observations of humans.” fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Acceptable_daily_intake

    No que se refere ao consumo, estão estabelecidos os valores limite de consumo para os aditivos e os contaminantes químicos, abaixo dos quais o risco para a saúde é ínfimo. Estes níveis de ingestão diária aceitável (ADI) e de ingestão semanal aceitável provisória (PTWI) são expressos pela quantidade em miligramas da substância química que pode ser consumida pelo o Homem, sem prejuízo para a saúde, por quilograma de peso corporal do consumidor.

    Como pode ver Francisco não tem razões para tantas e tão tremendas preocupações. Não está tudo armadilhado como afirma. Até está relativamente bem controlado e com observações recolhidas em estudos longitudinais efectuados em animais e humanos.

  8. “Certíssimo desde que o nosso fígado conseguisse metabolizar e eliminar os resíduos de 1-25-dimetilanilina ( e outros). Consegue ? Essa é a questão. Ao não conseguir acontece aquilo a que se chama “efeito cumulativo” – 1 mg hoje + 1 mg amanhã + 1 mg depois de amanhã + etc. + etc… 100 g de mel/ dia com esses níveis de resíduos , chegamos ao fim de um mês bem além do famoso LMR, que no fundo é um limite meramente convencionado…” diz o Francisco. É o mesmo estudo que o Sr. apresentou que contraria esta afirmação: o ser humano não acumula o amitraz, elimina-o. Mais o ADI “provides a human health-based guidance value (HBGV) for chronic or long-term exposures to residues in food.” O efeito cumulativo está contemplado na definição do ADI.

  9. Um outro conceito associado aos LMR e ADI: a no-observed-adverse-effect level (NOAEL). Acerca do NOAEL: “the amount of a substance that shows no toxic effects, is determined. Usually the studies are performed with several doses including high doses. In the case of several studies on different effects, the lowest NOAEL is usually taken. Then, the NOAEL (or another point of departure such as a benchmark dose level (BMDL)) is divided by a safety factor, conventionally 100, to account for the differences between test animals and humans (factor of 10) and possible differences in sensitivity between humans (another factor of 10).[3] safety factors with values other than 100 may be used if information on uncertainty about the value of the point of departure (NOAEL or BMDL) justify it. For instance, if the ADI is based on data from humans the safety factor is usually 10 instead of 100. The ADI is usually given in mg per kg body weight.[5]”. fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Acceptable_daily_intake

    Francisco é assim que é, não como o Sr. imagina que é. E é assim que eu gosto de conversar sobre estas coisas sérias. Com documentos técnicos, pertinentes e actualizados.

    Nunca antes tinha entrado nestes detalhes (e outros mais a este propósito), porque possivelmente já se torna um pouco árduo para alguns dos leitores do meu blog acompanharem estes meandros. Até poderei estar enganado e ser uma leitura do seu agrado e interesse.

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