o controlo biológico de pragas: a raposa que guarda o galinheiro?

Como bem sabemos as abelhas melíferas, assim como  outros insectos, dependem da existência de plantas nectaríferas nas redondezas para a sua sobrevivência.  Sabemos também que algumas destas plantas são indesejadas por outros actores do sector primário e utilizadores dos solos. Para o controlo destas plantas, tidas por alguns como pragas, têm-se utilizado químicos de síntese e/ou agentes biológicos. É sobre estes últimos que me importa agora reflectir (sobre os primeiros julgo que todos nós estaremos mais informados).

O controlo biológico de pragas já não é de agora. Contudo de há duas décadas para cá tem vindo a ser cada vez mais utilizado no controlo de pragas. A intensificação da sua utilização prende-se com vários aspectos dos quais destaco a má imagem que a utilização  de químicos de síntese tem associada, por contraponto com a boa imagem que o controlo biológico tem vindo a assumir no seio da opinião pública e publicada. Dito de outra forma: tem-se assistido à diabolização dos primeiros e ao endeusamento dos segundos. Ainda que humana, esta visão maniqueista das coisas, pode ser incorrecta, injusta e sobretudo pouco esclarecida e produtiva.

A propósito da utilização de técnicas de controlo biológico deixo este pequeno excerto retirado do American Bee Journal (ABJ), onde está descrita a enorme preocupação que os apicultores norte-americanos dos estados do sul do país já estão a viver com a provável introdução de um agente biológico (o escaravelho Bikasha collaris) para controlar uma planta extraordinariamente nectarífera (a Triadica sebifera).

“Esta preocupação leva a outras, como o registo de (in)sucesso na introdução de espécies biológicas com ou sem testes adequados e protocolos de pesquisa cuidadosos. No caso da erradicação do loosestrife roxo no Massachusetts, um controle biológico foi introduzido com sucesso na eliminação desta planta, mas ao mesmo tempo a colheita de mel foi eliminada, bem como forragem para todos os polinizadores. Uma espécie invasiva mais agressiva, a phragmites, substituiu a anterior, e agora não existe controle conhecido desta planta. Outra história semelhante de controle biológico mal sucedido é o caso do escaravelho Asian Lady, que continua a ser problemático hoje. Muitos outros controlos biológicos falhados podem ser citados também. A libertação do escaravelho Bikasha collaris (agente de controlo biológico) de forma menos controlada pode levar a consequências desastrosas. A capacidade deste escaravelho se adaptar e reproduzir num novo ambiente é praticamente desconhecida. Num dos manuais de referência “Controle biológico: medidas de sucesso” (editor G.Gurr e Steve Wratten), os autores relatam que “apenas cerca de 10% das tentativas de controlo biológico são bem sucedidas” e que a taxa de sucesso pouco mudou durante um século. Eles também observam que “o controle biológico pode causar danos, por exemplo, quando o agente libertado ataca um organismo não-alvo a conservar ou de valor económico“.

Obviamente que não pretendo diabolizar a estratégia de controlo biológico de pestes, que quando aplicada devidamente tem aos meus olhos inúmeras vantagens sobre as estratégias químicas, em especial no que respeita às abelhas.  Quero no entanto suscitar estas questões e reflexões: estarão as medidas de controlo biológico a ser devidamente avaliadas e escrutinadas pelos responsáveis pela sua adopção assim como pelos seus defensores? Haverá aqui algum olhar mais benevolente sobre elas por parte da sociedade em geral, mas eventualmente menos rigoroso e atento, porque estas medidas lhes são apresentadas à priori como “amigas do ambiente”?

 Neste artigo com o elucidativo título 50 anos de tentativas de controlo biológico de térmitas— análise de um insucesso podemos ler acerca dos enganos, optimismo excessivo e envieazamentos de análises que foram dando suporte a tentativas irrealistas, mal fundamentadas e infrutíferas de controlo biológico de térmitas nas últimas cinco décadas . Deixo algumas linhas traduzidas do sumário do artigo:

Esta re-interpretação apoia a ideia de que as conclusões frequentemente expressadas têm sido enganosas até certo ponto, ou pelo menos excessivamente otimistas, sobre o potencial de aplicação do controle biológico às térmitas. Muitos resultados obtidos a partir de bioensaios com baixa relevância biológica foram interpretados como promissores, enquanto poucos resultados suportam efectivamente a sua aplicação prática. Também sugerimos que a falha no controle biológico de térmitas e a contínua ênfase na pesquisa nesta área resultaram em parte do otimismo irrealista sobre o potencial de desenvolvimento de métodos ambientalmente amigáveis ​​para controle de térmitas, fruto de viés nas publicações e deficiente compreensão da biologia das térmitas.

A concluir, neste link está relatado em português um caso em que tudo correu muito mal na Austrália, na tentativa de controlar um besouro.

4 comentários em “o controlo biológico de pragas: a raposa que guarda o galinheiro?”

  1. Olá Eduardo

    O assunto que nos trás é complexo.
    Vou comentar com várias pontas, na esperança que alguma se possa pegar.
    Tratamentos e curas:
    1 – Tratamento placebo
    Se o médico for convincente e o doente acreditar, um tratamento com placebo tem cerca de 30% de probabilidade de curar a generalidade das doenças. Há excepções.Poderão incluir-se neste tratamento, com menores probabilidades, os remédios caseiros e medicinas alternativas.
    Apreciação: benefícios – 30% de pessoas curadas
    riscos – 70% de pessoas que ficam doentes
    Neste processo não entram as abelhas, porque não têm capacidade, nem razão, para confiar nas boas intenções do apicultor.
    2 – Tratamentos biológicos na saúde humana, agricultura e apicultura
    Não conheço resultados estatísticos gerais ou específicos, mas podemos admitir que há:
    – benefícios pequenos (ou grandes ?)
    – riscos pequenos (ou grandes ?)
    Se fossem aplicados, apenas, tratamentos biológicos, grande parte da humanidade morreria de fome e grande parte das abelhas morreria de doença.
    3 – Tratamento da saúde humana com medicamentos formados por químicos de síntese e na agricultura e apicultura com pesticidas formados com químicos de síntese.
    Apreciação: – grandes benefícios
    – grandes riscos
    Conclusão: Não adianta sermos fundamentalistas porque estes métodos vieram para ficar.
    Parece que se pode, ainda, continuar a confiar nas entidades internacionais que decidem entre estudos técnicos isentos e interesses de multinacionais.
    Lembrem-se do DDT, uso intensivo do tabaco, riscos de herbicidas e outros pesticidas . Medicamentos retirados do mercado…
    A Terra gira devagar ? – Talvez.
    Nota final: Gilles Fert – É um dos maiores mestres da apicultura actual.
    No calendário de criação de rainhas, antecede 45 dias o tratamento anti-varroa, de todas as colónias, relativamente à orfanização ou translarve .
    Não faz distinção entre tratamentos biológicos ou de síntese. Ambos afectam a saúde das rainhas-mãe e rainhas-filhas.
    A idade vital das abelhas era de cinco anos, antes aceite como eficiente, hoje a eficiência não vai além de uma ou duas temporadas.
    Todos os tratamentos têm custos e benefícios maiores ou menores.
    Pode, cada apicultor informar-se, optar, tirar conclusões e civicamente divulgar ( O BLOG espera por si ).
    Saudações

    1. “Neste processo não entram as abelhas, porque não têm capacidade, nem razão, para confiar nas boas intenções do apicultor.”
      “A Terra gira devagar ? – Talvez.”
      Estas suscitaram aquele sorriso interior próximo do estado de felicidade. Identificação total, julgo.

      A propósito ou a despropósito, para esta sociedade ela (a Terra) é plana: https://www.tfes.org/

  2. Olá Eduardo

    Reagindo à provocação:
    A Terra gira mais devagar ?
    – Sim, o movimento de rotação é retardado pela atracção da Lua. Quando o somatório de micro-segundos justificar os reguladores do tempo atrasarão os relógios de todos nós.
    – A Terra está numa fase cíclica de aquecimento ?
    Sim, mas os americanos (USA) não acreditam, porque estão a ter temperaturas de -40ºC !
    – A Via Láctea está em expansão e afastamento, como as outras galáxias ? Sim, mas quando se pulverizar, por anulação da gravidade, já lá não estaremos, nós a espécie humana.
    Quanto à astrologia, portanto, tudo normal.
    No que se refere à sociologia é que as coisas estão a merecer atenção séria
    As mudanças e acelerações que o mundo vive, na economia, no trabalho, na educação, no clima, na demografia etc, são verdadeiras revoluções, que estão e vão continuar a deixar muita gente para trás.
    Se não querem ser apanhados desprevenidos, recomendo a leitura dos livros de um Homem sábio e sério :
    Thomas L. Friedman (três Prémios Pulitzer)
    – O MUNDO É PLANO, UMA BREVE HISTóRIA DO SÉCULO XXI
    – OBRIGADO PELO ATRASO, Editora Actual.

    Há vida para lá das abelhas ?
    Saudações

    1. Viva José Marques! Não foi com intenção provocatória que citei as suas afirmações. No comentário em questão, tão lúcido, objectivo, preciso e claro, foram estas duas afirmações que pela sua natureza mais enigmática ressoaram mais em mim enquanto leitor atento de tudo o que escreve.

      Não deixe de continuar a comentar, o blog só melhora com sua presença.

      Claro que há vida para lá das abelhas, felizmente! E às vezes até são elas que nos abrem as portas para essa vida em que elas não são protagonistas. Insecto muito generoso.

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