apis mellifera iberiensis ou a melhor abelha para a península ibérica

A Península Ibérica é povoada naturalmente por uma subespécie de abelhas designado cientificamente apis mellifera iberiensis. É um hibrido natural com linhagem M e A.  Foi este ecotipo que o grande ecossistema peninsular ibérico foi seleccionando e apurando ao longo de milhões de anos.

No entanto este longo e eficaz mecanismo de selecção natural é posto em causa sempre que um de nós decide introduzir linhas exóticas no nosso território (ver aqui). O principal argumento apresentado pelos apicultores que importam outras raças (a ligustica e a cárnica são as preferidas) é o de procuram linhas mais homogéneas e/ou produtivas e gentis. Esta quimera rapidamente se desmonta.

Qualquer apicultor minimamente informado sabe que no território nacional manter linhas exóticas homogéneas obriga a uma de duas coisas: inseminação instrumental ou compra regular de rainhas no estrangeiro. É verdade que se fala da possibilidade de desenvolver zonas de acasalamento dedicadas a estas linhas exóticas mas dada a orografia continental e a elevada densidade de colmeias por Km quadrado, no nosso país essa ideia não passará das boas intenções. Voltando à inseminação instrumental, esta é uma via que requer equipamentos caros e muito sofisticados, a juntar a um conjunto competências muito evoluídas por parte do apicultor-inseminador, só ao alcance de muito poucos. A outra via, a compra regular de rainhas exóticas no estrangeiro, é uma solução que torna o apicultor dependente do criador de rainhas, e sobretudo é uma prática com imensos riscos sanitários, aumentando enormemente a possibilidade de se  introduzirem doenças e/ou patogéneos novos, como já aconteceu no passado com o ácaro varroa e o fungo nosema ceranae, e no futuro poderá vir a acontecer com o  Aethina tumida (pequeno escaravelho da colmeia)  presente em território italiano e o ácaro Tropilaelaps, tão ou mais perigoso que o ácaro varroa. A culminar, a questão do transporte aéreo de rainhas e seu efeito negativo na viabilidade espermática das mesmas poderá dar graves amargos de boca aos inocentes compradores (tema a abordar num post futuro).

Outra das razões mais frequentemente referidas para a compra de linhas exóticas passa pela crença de que serão mais produtivas e menos enxameadoras. Crenças também facilmente desmontáveis. Estudos recentes mostram que as linhas nativas tendem a ser mais produtivas que as linhas exóticas (ver aqui). Mas mesmo que estes estudos não viessem confirmar aquilo  que muitos de nós sabem, os dados das produções espanholas e portuguesas rapidamente demonstram que a nossa abelha ibérica não só produz como produz de forma muito satisfatória. O país com a produção mais elevada de mel na UE é Espanha. Pergunto como será possível um país ser simultaneamente o maior produtor de mel da UE e um dos maiores produtores do mundo com uma abelha pouco produtiva e enxameadora?  Poderá argumentar-se que tal se deve ao maior número de colónias em Espanha. Vejamos então a produção média por colmeia e os dados são elucidativos: Portugal apresentou em 2010 um produção média de 23 Kg por colmeia; Itália com as ligusticas, por alguns intituladas fábricas de fazer mel, ficou atrás com 19 Kg por colmeia; a Áustria, terra das cárnicas e dos grandes mestres apicultores, apresenta apenas 16 Kg. Nós, com uma abelha menosprezada por alguns, estamos à frente de duas raças tão cobiçadas pelos apaixonados das linhas exóticas.

Relativamente à doçura das abelhas das linhas exóticas este é um traço com grande heritabilidade e os inevitáveis cruzamentos com a abelha nativa depressa diluirão esse traço, podendo suceder gerações com comportamentos tão ou mais defensivos que os das nossas abelhas nativas  (falo por experiência pessoal).

Só me apraz uma conclusão: se alguns de nós não conseguem que a abelha ibérica produza, antes de a por em causa faria um grande favor a si próprio se começasse por se por em causa a si e ao seu maneio incompetente.

Num próximo post abordarei outro ângulo desta problemática associado ao impacto negativo que esta prática de importar linhas exóticas tem nos apiários ao redor. Se importar linhas exóticas é um tiro no pé do próprio é também uma facada nas costas do vizinho.

A terminar uma nota de esperança nesta época festiva: estou convencido que a nossa abelha por cá continuará muito depois de termos partido, e seguramente a fazer as alegrias de muitos futuros apicultores… e sem linhas exóticas. É claro para onde as tendências estão a avançar nos meios mais esclarecidos: para a preservação dos ecotipos locais e a proibição de introdução de linhas exóticas, como já acontece na Catalunha e noutras regiões da Europa (ver aqui). As autoridades portuguesas, ou porque estão mal aconselhadas ou porque desconhecem esta problemática, mais tarde ou mais cedo proibirão a importação de linhas exóticas a bem da apicultura nacional.

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