a que ritmo cresce uma população de abelhas?

Se os tabuleiros divisores me encantam neste momento, no plano das ideias, identificar o timing adequado para executar as diversas intervenções nas minhas colmeias, é o conceito que mais me seduz e mais me desafia desde há uns anos a esta parte. Neste quadro faz todo o sentido para mim aprofundar questões como:

  • a que ritmo cresce uma população de abelhas?
  • a que ritmo cresce uma população de ácaros da varroa?

Estas são das questões que mais me entusiasmam. Acerca da segunda questão já ensaiei um esboço de reposta aqui e aqui. Neste post vou procurar respostas para a primeira questão.

Para me ajudar a explicar o ritmo de crescimento de uma população de abelhas em condições normais, conto com a preciosa ajuda de Randy Oliver. Quero por isso agradecer publicamente a gentileza que este biólogo e apicultor norte-americano me concedeu ao autorizar-me a traduzir para português e transcrever para o meu blog excertos e dados apresentados no seu blog http://scientificbeekeeping.com/

Fig. 1: Randy Oliver durante a observação de um quadro de abelhas

Nas regiões temperadas, as colónias de abelhas seguem um ciclo bastante previsível de crescimento e declínio das suas populações (embora algumas colónias cresçam muito mais do que outras, e algumas, infelizmente, não consigam completar o ciclo anual). Portugal está situado na zona temperada do norte. Contudo estou muito convencido que o interior do país é muito diferente do litoral. Tenho essa experiência e conheço a experiência de outros. Muito do que aqui vou dizer pode fazer sentido para o interior do país, já não fará tanto para o litoral.

Randy Oliver segmenta a dinâmica do ciclo anual de desenvolvimento e declínio da população de uma colónia de abelhas, nas regiões temperadas do planeta, em dez períodos diferentes. Seguindo a evolução cronológica de um ano temos:

  1. No final do inverno (2ª quinzena de janeiro/início de fevereiro, nos meus apiários na Beira Alta ), as abelhas saem do período “dormente”.
  2. Surge o primeiro fluxo de pólen sério (início/meados de fevereiro, nos meus apiários na Beira Alta) e inicia-se a criação de novas abelhas em quantidade.
  3. Temos a “rotação de primavera”, quando uma nova geração de abelhas substitui as “abelhas de inverno sobreviventes” que mantiveram a colónia o durante o inverno (período com escassez de pólen e néctar).
  4. Assistimos a uma progressão linear do crescimento da colónia durante os primeiros fluxos néctar e pólen de primavera(desde o início de março até ao fim da primeira quinzena de abril), mas antes da principal fluxo de néctar.
  5. Surge o impulso da enxameação (inicio de abril até final da 1ª quinzena de maio nos meus apiários na Beira Alta).
  6. Ocorre o principal fluxo de néctar e o seu armazenamento (de meados de abril até finais de maio nos meus apiários na Beira Alta).
  7. Declínio da população no final do verão (normalmente entre a segunda quinzena de julho e o fim agosto nos meus apiários na Beira Alta).
  8. A cessação/abrandamento notório de criação (de agosto a dezembro).
  9. A “rotação de outono” da população com com o nascimento da “abelhas de inverno” que substituem as “abelhas de verão” (de meados de agosto a finais de outubro).
  10. Início da postura, em áreas pequenas dos quadros para manter a população estabilizada (início de janeiro nos meus apiários na Beira Alta).

Descrita a floresta vamos agora analisar em pormenor algumas das árvores. Vou analisar em especial as fases 2), 3) e 4), as fases do crescimento linear de uma colónia de abelhas.

Porquê crescimento linear? Ao contrário das populações que se expandem exponencialmente devido a um número cada vez maior de reprodutores, a colónia de abelhas tem apenas uma fêmea que produz ovos férteis. Este facto per si estabelece um limite na taxa máxima de nascimentos (o limite é o número de ovos que o rainha põe a cada dia). Enquanto a diferença entre as abelhas que nascem e as abelhas que morrem for relativamente constante, o crescimento populacional será linear e acumulativo, até que algum outro fator surja em jogo.

Analisemos com algum detalhe as limitações ao número de nascimentos de abelhas. O desenvolvimento das colónias e a manutenção de grandes populações depende de: (1) a capacidade da rainha de pôr ovos, (2) capacidade da população nutrir e manter a temperatura favorável da criação, (3) reservas de pólen e mel, e (4) espaço suficiente e no local adequado para a postura da rainha.

As investigações levadas a cabo para definir o número de ovos que uma rainha põe por dia (ovoposição) fazem-se contando o número de alvéolos com criação operculada/fechada. Os dados não são completamente convergentes:  Nolan refere que o número máximo de alvéolos com criação operculada é de cerca de 15.000, Harris cerca de 17.000, Winston cerca de 21.000. Estes números sugerem que uma rainha de boa qualidade e em condições ideais põe 800-1100 ovos por dia (supondo 90% de sobrevivência das larvas), valores que são convergentes com as contagens efectuadas por Farrar, que refere cerca de 900 ovos por dia. Há, naturalmente, rainhas excepcionais que ultrapassam estes números.

Segundo os dados do investigador canadiano Harris o ritmo de ovoposição de uma rainha vai em crescendo até 60 dias após o início do aumento linear de postura (nota: já vi escrito, há não muito tempo na blogosfera apícola nacional, que o auge de postura de uma rainha acontece 60 dias após o seu nascimento. Parece-me que alguém confundiu estes conceitos!?)… e a construção de mestreiros segue-se posteriormente. Quando as rainhas atingem o máximo de ovoposição as colónias apresentam cerca de 16 000 alvéolos operculados (de acordo com as medições de Nolan e Harris). Se bem junta nos quadros esta criação operculada, mais os ovos e a criação larvar aberta, não ocuparia mais que 5-6 quadros do ninho Langstroth. Verdadeiramente surpreendente. Outro dado muito interessante é que neste momento a colónia atingiu cerca de metade da sua população máxima, isto é cerca de 30 000 abelhas. Estas abelhas ocupam 15-17 quadros da alça/corpo do modelo Langstroth.

Aplicação prática: o apicultor durante este período de aumento linear da ovoposição deve certificar-se de que a rainha tem espaço e que este espaço está concentrado no ninho.  O rearranjo dos quadros no ninho e o fornecimento de quadros puxados ao ninho na posição correta, maximiza a postura da rainha. Inverter o ninho e sobreninho e/ou adicionar quadros puxados (na ausência destes, adicionar quadros laminados com cera de qualidade), é o maneio mais adequado nesta época do ano. Aceitemos que se uma rainha precisa colocar um ovo a cada minuto, ela não pode gastar muito tempo à procura de um lugar onde fazê-lo. O ninho deve estar aberto/desbloqueado e o espaço para a postura concentrado.

Uma pergunta perene da apicultura é exatamente quanto espaço uma rainha realmente exige? A partir dos números acima podemos calcular quantos quadros Langstroth são necessários para satisfazer a necessidade de espaço da rainha. Nestes quadros há quase 7000 alvéolos (segundo Randy Oliver mais precisamente 6960 numa base padrão) nos dois lados de um quadro de alça. Se esse quadro está 70% cheio com criação (nos restantes 30% é o espaço para o pólen e néctar), ficam 4.875 alvéolos para a criação, ou 43.875 em nove quadros (por exemplo, 10 quadros na caixa, mas sem criação nos dois lados mais externos) . Uma rainha colocando 1500 ovos por dia pode encher 30.000 alvéolos em 20 dias; A 2300 ovos / dia, temos 46.000 em 20 dias. Sendo assim, a matemática diz-nos que um único corpo/alça Langstroth fornece espaço suficiente para qualquer rainha, desde que não esteja bloqueado com mel ou pólen.

Randy Oliver refere que esta é a configuração preferida por muitos apicultores australianos, que hoje em dia preferem as colmeias de uma só câmara de criação, com uma excluidora por cima desta, e fazem enormes colheitas de mel. Diz também que ele próprio raramente encontra mais de 10 quadros com criação.

Para reflectir, procurar mais informação fidedigna e experimentar: Segundo Randy Oliver mesmo colónias fortes raramente contêm mais do que o equivalente a 5 quadros com criação de uma ponta à outra (falamos do modelo Langstroth). Convergente com esta ideia surge a prática de apicultores na Austrália assim como na Alemanha. Na realidade é a configuração que tenho utilizado predominatemente nos anos que tenho de apicultor. Contudo e paradoxalmente este ano estou a pensar experimentar a configuração com ninho e sobreninho num maior número de colmeias dedicadas à produção e em algumas destas colocarei uma excluidora de rainhas, coisa que nunca fiz até agora em colmeias dedicadas à produção.

Uma questão recorrente é: quanto tempo leva para que uma colónia saudável cresça o suficiente para atingir uma população ideal para a produção de mel? As regras básicas são cerca de 10-12 semanas para um pacote de cerca de 1Kg de abelhas (10 000 abelhas), cerca de 8 semanas para um núcleo forte, ou cerca de 6 semanas para uma colónia que sai bem da invernagem, supondo tempo favorável e recursos abundantes. Uma vez que é evidente que o crescimento das colónias após a “rotação/turnover de primavera” é linear, devemos ser capazes de prever com bastante precisão a taxa de crescimento. Vamos à matemática!

Aplicação prática: tendo uma rainha vigorosa e abundância de recursos, juntamente com temperaturas noturnas que não restringem a criação de larvas, tendo uma colónia com muita criação para nascer podemos esperar que cresça na sua fase linear cerca de 500-600 abelhas por dia (mais lentamente com uma rainha de menor qualidade ou se as condições forem precárias; mais rapidamente em circunstâncias óptimas). Isso resulta num crescimento do enxame em cerca de 2 quadros de abelhas por semana.

Randy Oliver fez uma tabela acessível que nos permite calcular para trás a partir do início do nosso fluxo principal de néctar (Tabela 1):

Semanas antes do fluxo principal Para alcançar 24 quadros com abelhas  Para alcançar 2o quadros com abelhas  Para alcançar 10 quadros com abelhas 
0 24 20 10
1 22 18 8
2 20 16 6
3 18 14 4
4 16 12  
5 14 10  
6 12 8  
7 10 6  
8 8 4  
9 6    
10 4    

Tabela 1: Cálculo retrogrado da dimensão necessária de uma colónia

Para aqueles com menos à vontade com a  matemática, dou dois exemplos. Se faço um desdobramento no dia 1 de abril, e espero que meu fluxo principal se inicie no primeiro dia de junho, tenho cerca de 8 semanas para construir a colónia. Então vou à coluna 1 para a linha de 8 semanas. Se eu desejo que essa colónia apresente 20 quadros de abelhas no início do fluxo, eu então vou à coluna 3 verifico que os desdobramentos feitos nessa data devem ter uma força mínima de 4 quadros de abelhas (com muita criação e rainha). Se desejarmos fazer um núcleo no início de abril para um fluxo importante que se inicia em meados de maio, temos apenas 6 semanas para  atingir os 20 quadros de abelhas, e de acordo com a tabela precisa de ter pelo menos 8 quadros.

A tabela acima é uma ferramenta que pode ter grande utilidade para planear as nossas intervenções, por ex. tirar quadros a umas, adicionar quadros a outras entre outras intervenções. Tendo sempre em conta que na vida real, as coisas nem sempre seguem as regras. Se a produção máxima de mel é o objetivo, podemos usar os indicadores da tabela para gerir de forma pró-activa o nosso efectivo apícola, tendo como referência inicial as datas habituais dos fluxos de néctar nas zonas onde estão os nossos apiários. Agir no timing correcto é a grande ideia e desafio para este ano de 2017.

fonte: http://scientificbeekeeping.com

4 comentários em “a que ritmo cresce uma população de abelhas?”

  1. Olá Eduardo

    Achei muito interessantes as datas de adaptação do ciclo anual de desenvolvimento e de declínio da população de abelhas à Beira Alta (zona interior centro ) e também a Tabela de Randy Oliver .
    Penso que cada apicultor , com experiência, poderá estabelecer, com aproximação, as datas do ciclo anual da sua região.
    Há uma grande variabilidade com as mudanças climatéricas anuais, com a geografia e a flora locais . Apiários distantes de apenas 10 Km podem apresentar diferenças .
    Em termos gerais arriscaria que para o ciclo anual de desenvolvimento na região litoral centro as datas são antecedidas 1 mês.
    Em relação a estas, para as regiões litoral e interior sul anteciparão respectivamente 1 mês e para as regiões litoral e interior norte atrasarão respectivamente 1 mês .
    Quanto ao ciclo de declínio da população penso que as datas serão muito semelhantes às que aponta para a Beira Alta, talvez com excepção do interior norte, de maior altitude, em que poderão ter um atraso de cerca de 1 mês. Os apicultores locais poderão corrigir-me .
    Achei muito interessante o uso da Tabela de Randy Oliver que vou utilizar numa aplicação de uso pessoal.
    Tenho sempre alguns núcleos ( Langstroth ) destinados a substituir as baixas invernais. Como o ano tem sido bom, vou formar algumas colmeias com o número de quadros com abelhas e criação necessários para ficarem aptas a produzir mel no início do fluxo principal .
    Conclusão : Vou deixar de trabalhar às cegas, sem aproveitamento !
    Seria bom que outros seguidores se pronunciassem com elementos da experiência própria .
    Cumprimentos

  2. Para mim todas as publicações são boas, independentemente das zonas, e do manejo de cada um. Pois sou iniciante, por isso tudo é bem vindo. Posteriormente faço um apanhado daquilo que poderei aplicar ou não. Também é importante aprender a não cometer erros crassos. Como cada lugar tem as suas características, cabe . me a mim verificar no terreno as florações existentes e o seu pico máximo. Essas contas de semanas e quadros de abelhas, achei muito interessante. Vamos ver se consigo ter disponibilidade nos próximos meses para criar as rotinas certas, nas colmeias. Obrigado a todos, cumprimentos apícolas

    1. Obrigado também Manuel! O que escreve aqui parece-me o melhor princípio “Posteriormente faço um apanhado daquilo que poderei aplicar ou não.”. Bom trabalho e bom ano!

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